sábado, 28 de novembro de 2009

Os mitos do fim do mundo

Reproduzo aqui um texto que achei muito interessante.

O original está no site do Somos Todos Um





:: Graziella Marraccini ::



De vez em quando surgem boatos sobre o fim do mundo! Essas notícias aparecem a cada final de século (lembrem-se do ano 2000!) e agora estão circulando novamente por causa das profecias anunciadas no Calendário Maia. Com a facilidade de comunicação proporcionada pela Internet, as notícias se espalham como praga e a divulgação de mais um filme-catástrofe que anuncia 2012 como o Fim do Mundo, coloca lenha na fogueira, espalhando ainda mais o medo de que em 21 de dezembro de 2012 o mundo irá acabar numa série de super-catástrofes sucessivas! Recebo todos os dias e-mails de internautas que me pedem explicações e esclarecimentos.

Não tenho ainda muitos elementos sobre o assunto, pois 2012 me parece ainda longe de minha realidade. Além disso, eu sou o tipo de pessoa que caminha pela Senda Pessoal, observando o hoje, o aqui e agora, para não deixar que as coisas boas que eu posso aproveitar neste momento sejam estragadas definitivamente por pensamentos negativos gerados pela visão de um horizonte negro que ainda não chegou! Não quero dizer, com isso, que não esteja atenta aos acontecimentos futuros, já que a astrologia é também uma arte de previsões e esse é meu oficio. E é por isso mesmo que não vejo nada de particularmente catastrófico no céu do ano de 2012!

Vamos analisar os fatos: primeiramente, o calendário Maia NÃO termina realmente em 2012! Essa civilização considerava este ano como um ponto importante e determinante que indicaria o fim de um ciclo e o início de outro, na evolução da humanidade. Os Maias registraram o tempo de forma precisa, como poucas culturas fizeram naquela época. Durante o apogeu do império Maia foi criado um calendário, chamado de Grande Contagem. Este calendário iniciava sua contagem do tempo em 11 de agosto do ano 3.114 antes de Cristo. Esta data foi considerada o 'Ano Zero' desta era. Este calendário circular que parece um disco de pedra é encontrado nas casas esotéricas, pelo menos em suas inúmeras reproduções. Bem, segundo este calendário, no momento em que acontece o Solstício de Inverno do ano 2012, terminaria a primeira grande contagem, ou seja, terminaria um ciclo de civilização e reiniciaria o ano zero de uma nova era.

O filme 2012 é mais uma façanha holywoodiana para assustar os incautos e ingênuos que se deixam influenciar facilmente, por causa de sua ignorância! No filme em questão, o 'deslocamento dos pólos' seria causa das grandes catástrofes que acabariam por deslocar as placas tectônicas dos continentes com conseqüências desastrosas. O derretimento das calotas polares está realmente acontecendo e este é um fato facilmente comprovado que requer medidas urgentes por parte dos governantes do planeta. O buraco de ozônio faz subir a temperatura que derrete o gelo polar e se o mar subir como está previsto, muitas cidades litorâneas e ilhas rasas irão realmente desaparecer. Esse fenômeno se acentuou consideravelmente por causa da poluição causada pela industrialização dos países 'civilizados'. É verdade também que alguns cientistas afirmam que está ocorrendo um 'rearranjo' das placas tectônicas, e que esse fenômeno causa terremotos e tsunamis, mas isto já não aconteceu inúmeras vezes ao longo da história da humanidade? Por que desta vez isto seria muito pior? Acontecerá, então, o Big One, o grande terremoto que irá destruir a costa oeste dos Estados Unidos? Acontecerão outros tsunamis ainda mais destruidores? Não há como prever com exatidão.

Além disso, é previsto um estranho alinhamento planetário ou 'alinhamento galáctico' que acontecerá pela primeira vez em 26.000 anos. O trajeto do Sol, naquele momento indicado pelo calendário, cruzará um ponto que, visto da Terra, parece ser o ponto central de nossa galáxia, localizado na Via Láctea, entre o signo de Sagitário e o Signo de Escorpião.

Nenhum astrônomo prevê este alinhamento galáctico especial já que este 'ingresso do Sol em Escorpião' acontece todos os anos, e não tem nenhum interesse para a astronomia. Somente a astrologia se interessa por esses fenômenos. Somente a astrologia faz uma analogia entre um eclipse solar ou lunar e uma eventual catástrofe!

Para os astrônomos, essas analogias não existem e são consideradas superstições dos povos antigos. Lembrem que o próprio Natal, que festeja o nascimento de Jesus, é uma festa ligada às antigas festas pagãs do Ingresso do Sol em Capricórnio. Existem alguns artigos a este respeito já publicados no nosso site em anos passados.

Os próprios Reis Magos, segundo a astrologia, eram astrólogos que buscaram o nascimento de um Rei por causa de um alinhamento planetário entre Júpiter e Saturno! Se eles fossem astrônomos, não iriam encontrar Jesus!

De qualquer maneira, os estudiosos que se debruçam sobre os relatos deixados pelos Maias, deixam claro que não havia nestes escritos nenhuma previsão de que a humanidade se aproximaria de um 'fim de ciclo' neste período de 2012, e é isso que importa neste momento.

Se, astrologicamente, as eras precessionais se sobrepõem umas as outras, e a Era de Peixes está acabando para dar lugar a Era de Aquário, fato interpretado pelos astrólogos como sendo um período de 'fim de ciclo', então, as profecias Maias não seriam diferentes, não acham?

Em 2012, Urano estará iniciando um ciclo de 8 anos no signo de Áries e Netuno estará iniciando um ciclo de 12 anos no signo de Peixes. O Sol estará em conjunção com Plutão nos primeiros graus de Capricórnio. Esses planetas que são considerados pela astrologia 'planetas coletivos', indicam que estaremos enfrentando grandes modificações em todo o planeta: indicados pela natureza de cada planeta e de sua posição no 'pano de fundo' representado pelo signo zodiacal onde eles se encontram.

Do mesmo modo que estamos observando todos os dias uma maior intensidade dos fenômenos metereológicos, o aumento das inundações, (que podem ser atribuídos à conjunção entre Júpiter e Netuno), os tsunamis, os terremotos (oposição Urano/Saturno). O aumento da violência e a ausência de respeito às leis e a desordem social, são simplesmente conseqüências dos atos insensatos praticados por uma sociedade doente e pela irresponsabilidade dos governantes da maioria dos países de nosso planeta. A irresponsabilidade dos seres humanos é a causa de nossas desgraças! O mundo, desde que é mundo, sempre esteve em guerra! Sempre ocorreram catástrofes, pois a Terra, Gaia, esta nave-mãe que nos suporta, como um ser vivo e dinâmico, está dando demonstrações de cansaço e de intolerância! Do mesmo modo que nosso corpo acusa com dores e doenças os excessos de uma vida desregrada, a Terra também está dando seus recados: cabe a nós ouvi-los. E nem dá para 'praticar EFT*' na Terra....

Após essas considerações, repito que eu não creio no Fim do Mundo em 21-12-2012! Provavelmente, ainda estaremos festejando o Santo Natal no ocidente, num mundo melhor, se conseguirmos iniciar a caminhada de realinhamento energético necessário para salvar nosso planeta da destruição. Pior do que uma destruição rápida seria, então, uma deteriorização lenta, agonizante do planeta, não é mesmo?

A meu ver, em 2012, ainda teremos um céu azul sobre nossas cabeças para nos fazer sonhar, um mar azul profundo para mergulhar nosso corpo e nos refrescar, um campo verde para nos dar alimento e refrigério. Tudo depende de nós. Não podemos, portanto, deixar de fazer nossa parte, todos os dias, procurando desenvolver em nós mesmos a RESPONSABILIDADE SOCIAL.

Um povo que depreda os bens públicos, que maltrata suas crianças, que polui seus rios e mares, que exaure suas reservas, que não respeita os mais velhos e que não mantém suas tradições, não tem responsabilidade social!

Vamos acordar e nos dar as mãos: faça sua parte! Amar o planeta é amar a humanidade. Lembre-se das palavras de Jesus: "Ame ao próximo como a ti mesmo", esta é a mensagem da Era de Peixes, neste fim de ciclo.

sábado, 14 de novembro de 2009

Jaimito




Olá, sou o Jaimito. Com certeza tu já me conheces mas, infelizmente, não te lembras de mim porque, apesar de ter falado comigo muitas vezes, nunca prestaste atenção em mim.

Muitas vezes ajudei-te com as compras e outras muitas nem isto deixaste-me fazer, pois meu aspecto dava-te asco ou, pior, tinhas medo de que eu te roubasse.

E talvez até tivesses razão no teu medo. Sim, talvez eu te roubasse mesmo.

Aprendi, quando passei a maior parte dos meus 11 anos nas ruas da Beira, que roubar e mentir são garantias de sobrevivência. E sim, muitas vezes inventei sofrimentos falsos para apelar à tua consciência e ao teu bolso. O que não sabes é que talvez não suportes saber dos meus verdadeiros sofrimentos, que nem eu mesmo quero lembrar.

Prefiro afogá-los em ilusões transportadas pelo álcool que consigo comprar quando tu alivias tua consciência com alguns trocados.

Sei que não queres saber da minha história, mas hoje vais ter de ouvi-la. Pelo menos o que consigo contar...

Decerto fui amado por alguém, pois tenho nome. Ninguém dá nome a outra pessoa sem amá-lo. E este meu nome, no diminutivo, faz-me lembrar algum carinho. Se bem que também não sei direito o que é esse tal de carinho. É uma palavra bonita, que sempre vem junto com outras palavras como “abraço”, “afago”, “preocupação”, “beijo”. Isso, que me lembre, nunca tive. Quem sabe aquela pessoa que me deu o nome quisesse me ensinar o que é tudo isto, mas desconfio que seja a minha mãe e ela já não está mais por aqui.

Não tenho pai ou mãe. Vivi com um tio que dizia que meus pais haviam morrido. Este tio também morreu.

Desde então, apesar de ter algum lugar para ficar, na casa de alguma tia, preferi viver nas ruas. Durmo por aí e sempre consigo algum trocado para abrandar a fome.
A vida nas ruas não é muito fácil. Certa vez, numa brincadeira com meus amigos, fui queimado. Tenho cicatrizes horríveis nos pés, com a pele toda repuxada. Também tenho cicatrizes de cortes no rosto, resultado das agressões que sofri e das que tentei infligir.

Mas as piores cicatrizes estão na minha alma. No hospital, onde já sou velho conhecido, dizem que não tenho jeito. Sou um menino mal, violento, dado a acessos de raiva. Sempre que passo por lá amarram-me na cama e dão-me tranquilizantes. Por um lado é bom, tenho cama e comida por alguns dias, mas como tenho muito medo de tudo, sempre dou um jeito de fugir.

Já estive em um orfanato. Rendeu-me uma das cicatrizes no rosto, uma das grandes, acima do olho. Não conto como foi, só que foi.

Não, não tenham pena de mim! Não é por isso que conto esta história. Agora, neste preciso momento, não preciso de pena.

Estou internado na psiquiatria do Hospital Central, com cuidados. Precisarei da pena de vocês quando voltar às ruas. Precisarei que sintam pena de mim para darem-me os trocados de sempre.

Como vim parar ao hospital novamente? Conto já...

Consegui um dinheirinho, mas não conto como. Decida-se pela resposta mais lógica... alguém com a consciência muito pesada mesmo deu-me quinhentos meticais ou, talvez, eu tenha roubado de alguém sem consciência.

Outros que também andam pela rua souberam disso e tentaram tirar-me o dinheiro. Espancaram-me. Eu, como estava bêbado, não consegui reagir muito bem e desmaiei. Fiquei sem o dinheiro e todo machucado. Alguém que passava trouxe-me ao hospital e aqui estou.

Como sou homem, forte, não tive grandes lesões. Como dizia antes, as maiores cicatrizes estão na minha alma.

Uma senhora que eu costumo ajudar com as compras, tendo a consciência pesada, veio ajudar-me. Ficou comigo durante algum tempo e eu, penso que pela primeira vez em muito tempo, senti-me protegido. Segurou a minha mão enquanto eu tirava raio-x. E eu deixei-me chorar. Aquela sensação de proteção foi tão estranha que não sabia se gostava ou não. Mas chorei, apesar de saber que gente como eu não tem o direito de chorar.

Acho que estava assustado. Com o raio-x e com a proteção. Ela disse que iria ajudar-me. Saiu e voltou com um sumo, mas a enfermeira-chefe, já minha amiga e uma das minhas mães, uma alma iluminada, deu-me coisa melhor... Deu-me o seu almoço! Arroz de tomate e galinha. Sim, aqui no hospital há gente muito boa mesmo! Aproveitei para ser criança um pouquinho – lembram-se? Tenho onze anos! – e pedi àquela senhora da consciência pesada uma bicicleta.

Na verdade, queria ser como as outras crianças que vejo por aí. Ir à escola, brincar com os amigos, andar de bicicleta. Mas não tenho casa onde guardar a bicicleta, não tenho pais que me protejam quando eu estiver a andar de bicicleta e alguém quiser roubá-la. Acho que não posso mesmo ter uma bicicleta.

Do que eu preciso, tu deves estar te perguntando...

Eu acho que só preciso que continues com a tua consciência pesada e me dês os trocados de sempre.

Mas Deus sabe que eu preciso de amor, carinho e tratamentos. Tenho problemas psicológicos, sim. Às vezes sou agressivo, tenho acessos de raiva. Mas são as cicatrizes da minha alma que ardem e preciso fazer com que a dor desapareça.

Deus sabe que eu só preciso ser criança, com todos os direitos que cada criança tem.

Ah! Só para lembrar!!! Como eu, existem milhares por aí. Mas isso tu já sabes e te apavoras e dizes “Meu Deus!” cada vez que sabes de alguma barbaridade que aconteceu conosco. Abres a carteira, alivias tua consciência e segues em frente.

Nós, os Jaimitos da rua, continuamos aqui. Talvez seja uma maneira de Deus lembrar-te que a vida não é tão simples quanto pensas.

Agora despeço-me. Sem beijos nem abraços, porque, tenho certeza, não gostarias de me abraçar ou beijar.

Adeus, logo nos veremos, assim que eu sair do hospital e voltar para as ruas.

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Obs.: Esta foto não é do Jaimito, encontrei no Google, mas nem precisava... para conhecer o Jaimito, é só olhar para qualquer criança de rua que encontrares...

domingo, 1 de novembro de 2009

Pensamento do dia





"O melhor modo de vingar-se de um inimigo,
é não se assemelhar a ele"

(Marco Aurélio)

Voltando à adolescência

* Perdoem-me os leitores acostumados a textos mais maduros, mas ontem assisti ao filme Twilight (Crepúsculo, em português) e não resisti à uma viagem no tempo...

Qual a adolescente que não quer um romance como este??? Pelo menos qual adolescente da minha geração...

Viajem comigo, ok?






Eduardo

Meu nome é irrelevante, pois ninguém me chama. Tenho 17 anos e acabo de chegar a uma cidadezinha encravada nas montanhas, onde o sol raramente aparece a rasgar a intensa neblina que cobre o lugar.

Estou perdida, assustada, despreparada para esta mudança. As pessoas são simpáticas, tentam receber-me bem, mas quando saio à rua sinto mil olhos a analisar-me, a tentar perceber-me. Sinto-me um objeto numa vitrine ou, pior, uma peça de leilão.

A escola é uma tortura. Não consigo acompanhar as conversas nos intervalos, não sei do que falam, sorrio para concordar e não deixar transparecer o tamanho da minha inadequação naquele espaço. Falam sobre festas, dias ensolarados em lugares distantes, ouvem músicas que ferem meus ouvidos até a alma, riem alto de motivos sem graça.

Passo meus dias a remoer lembranças de uma vida que não conheci. Sonho acordada com lugares que nunca vi. Sinto coisas que não consigo explicar. Escondo-me do mundo e dos seus olhos, os fones de ouvido e os livros são o meu refúgio.

Nada me interessa neste lugar. Não há nada que me chame a atenção por aqui.

Até aquele dia.


Foi mais um dia de tortura na escola. Estava sentada a fingir ouvir as conversas, de vez em quando anuía com a cabeça e sorria para parecer interessada, quando senti este frio percorrer-me a espinha, uma brisa gelada que parecia levantar minha pele e penetrar na minha alma. Uma força inexplicável fez-me virar para trás, em direção à porta.

Neste momento, fez-se um silêncio profundo. Tudo o que estava ao meu redor desapareceu. Via somente aqueles olhos felinos que olhavam diretamente para mim, para dentro de mim. Sua pele terrivelmente branca iluminava a cafeteria e seus lábios, de um vermelho vivo perturbador, pareciam beijar-me à distância.

Fiquei paralisada não sei durante quanto tempo, congelada naquele momento mágico e assustador.

De repente, como se aperta o botão “play” do controle remoto após uma pausa em um filme, o tempo voltou a correr, aquela criatura mágica desviou o seu olhar do meu e foi para o fundo da sala, sentar-se a uma mesa atrás de mim.

O barulho ensurdecedor do intervalo das aulas na cafeteria voltou. Tentei voltar também à minha tarefa de fazer-me parecer interessada na conversa, mas já não pude. Sentia aqueles olhos cravados na minha nuca, sentia aquele vento frio dentro de mim.
Elda, uma das poucas pessoas que eu conseguia entender e acompanhar, reparou na minha perturbação e sentenciou:

- Ele chama-se Eduardo. Mas não adianta sonhares. A sua beleza é proporcional ao mistério em torno dele. Ninguém sabe nada a seu respeito, nunca conversou com ninguém, ninguém nunca ouviu sequer sua voz. Todos chamam-no “O Estranho”.

Naquela noite, sonhei com Eduardo. Mas não foi um sonho qualquer. Foi um sonho real e fantástico ao mesmo tempo. Estávamos acima das montanhas, em outro momento, estávamos no fundo do oceano e, por fim, ele estava em meu quarto, parado em frente à minha cama, fitando-me com seus olhos brilhantes. Pisquei e ele desapareceu, deixando somente aquele vento gelado dentro de mim.


Na manhã seguinte resolvi não pensar mais no assunto. Aquela noite havia sido o resultado da advertência de Elda, combinada com minha fértil imaginação e necessidade de novidades naquela vida tão sem graça. Decidi não pensar mais em Eduardo, esquecer a sua existência (ou não existência, segundo Elda).

Mas o desejo da mente nem sempre vai de encontro ao desejo da alma. Procurei-o a manhã toda. Em cada lugar que entrava, sentia seus olhos a fitarem-me a nuca. Corria os olhos por todos os cantos e não o via.

Dias passaram-se e eu já estava a começar a acostumar-me com a ideia da sua inexistência. Talvez tudo aquilo fosse uma forte alucinação criada pelo tédio da cidade pacata. Foi quando Eduardo apareceu novamente.

Estava a ler, deitada na minha cama, quando senti sua presença. Levantei os olhos do livro e ele estava ali, em pé, em frente à minha cama, como eu havia sonhado na primeira noite. Pensei estar sonhando novamente, talvez um terrível pesadelo do qual não conseguisse acordar.

Meu coração batia aceleradamente, meus olhos não conseguiam desviar o olhar de Eduardo. Ainda assim não conseguia definir de que cor eram os seus olhos. Seu brilho era tão intenso que pareciam dourados. Meu corpo todo estava gelado, eu paralisada. Foi quando, num piscar de olhos, ele venceu a distância entre nós e aproximou sua boca vermelho vivo da minha. Fechei os olhos à espera do beijo, como num transe e, quando os abri, estávamos no ar, sobrevoando montanhas, desertos, oceanos.

Ele contou-me da sua dor, da sua sede pela vida que não podia ter. Falou-me de outros tempos, de civilizações inteiras aniquiladas pela ignorância humana, de vidas ceifadas em pontas de lanças e fogueiras. Segredou-me sua natureza e seu anseio pela humanidade.

Eu não podia entender como sentimentos tão humanos habitavam um coração sem calor. Sei que deveria ter sentido medo, mas paradoxalmente só me sentia segura em seus braços.

Senti em seu hálito frio o calor de um amor puro, profundo, arrebatador, eterno. Senti-me viva ao desejar a morte doce.

Meu nome, agora, de irrelevante passou a nenhum. Só o chamado de Eduardo me importa. E ele não precisa chamar meu nome. Porque somos um, eternamente.