Esta semana fui “futricar” as pobres prateleiras de uma das
duas únicas livrarias da cidade. Entre alguns livros que já li e outros que não
me interessam, encontrei um pequeno livro de poemas, de um autor moçambicano
que nunca havia ouvido falar. Abri e resolvi passar o primeiro poema por ser
mais longo. Escolhi o segundo. E encantei-me:
Neste mundo em que
metralhadoras
batem mais rápido seus
textos
do que uma máquina de
escrever
nos bolsos levo só
poemas
para reacender as
estrelas de madrugada
Cinco linhas. Poucas palavras. E um mundo de significados. O
autor chama-se CHAGAS LEVENE e o nome do livro é TATUAGENS DE ESTRELAS. O título
do poema resume tudo: Nos Bolsos Levo Só
Poemas.
Os críticos chamariam este poema de intemporal, porque
sempre poderá encaixar-se na realidade deste mundo de metralhadoras. Claro, as
máquinas de escrever há muito já viraram objetos de museu, mas desde os
primórdios da sua utilização, as metralhadoras batem mais rapidamente seus
textos sangrentos.
Agora mesmo, sinto o barulho das metralhadoras a manchar de
vermelho o mundo lá fora, mas também o mundo aqui dentro de mim está borrado
por metralhas muito mais dolorosas do que balas de aço.
Abano as dores internas e faço minhas as feridas do mundo. É
mais fácil globalizar a tristeza e colocar a culpa da lágrima na maldade do
mundo. Assumir uma mágoa pessoal custa demais. Então, vamos falar da nova ameaça
das metralhadoras reais: os Estados Unidos contra a Síria.
A gente vai escutando as notícias de chacinas, coloca as
mãos no rosto e diz “meu Deus que horror!”. Depois partilhamos algumas
mensagens no Facebook, comentamos outras, gostamos de algumas. Pronto. Fizemos a
nossa parte. Acabou. Esquecemos aquela notícia e continuamos com a nossa vida,
porque sempre temos as nossas dores pessoais para curar.
A última notícia chocante vinda da Síria e que chamou a
atenção do mundo todo, extrapolando os “meu Deus, que horror!” foi a da morte
de centenas de pessoas envenenadas com gás. Eu não tinha ouvido a notícia. Foi um
choque quando vi, no Facebook, a foto de não sei quantas crianças caídas no
chão no que parecia ser uma escola. Havia um bebê do tamanho do meu. Eles pareciam
estar dormindo, mas eu deduzi que estavam mortos. Sem ler a legenda, sem saber
do que se tratava, chorei e senti uma dor tão profunda que parecia ser mesmo
minha. É claro, eu sou mãe. O instinto é maior do que qualquer coisa. Imaginei que
poderiam ser meus filhos. Depois li a legenda. Corri para o quarto chorando sem
parar, mal consegui explicar ao meu marido, apavorado com o meu estado, o que havia
acontecido. Ele pensou que tivesse acontecido alguma coisa com alguém próximo
de nós. Consolou-me e perguntou por que eu estava chorando, afinal, não
podíamos fazer nada.
E é esta a mentalidade de todos nós. Apavoramo-nos mas
lavamos as mãos porque não podemos fazer nada.
Lembro que naquela noite fiquei tecendo utopias – e quem me
conhece sabe que sou extremamente utópica. Fiquei pensando que se todo mundo –
e quero dizer todo mundo mesmo, todas as pessoas do mundo – fossem à Síria e
dissessem “basta, chega de briga, tenham juízo, tenham amor!”. Eu não sei qual
é a razão da briga por lá, mas seja qual for, certamente o amor conseguiria
resolver. O primeiro pensamento depois desta ideia no mínimo maluca foi que não
caberíamos todos (as pessoas do mundo) na Síria. E aí lembrei do Lennon – imagine there’s no countries – outro utópico
como eu.
Mas o sono veio e no outro dia esqueci minhas utopias porque
o mundo “real”, a minha vidinha, particular e minúscula, exigia a minha
presença.
Uns dias depois, meu marido me contou: os EUA vão para a
Síria. (Entenda-se “os EUA vão matar pessoas na Síria). Ahhhhhhh!!!!!!!!!!!! Vontade
de gritar!!!!!!!!!! Será que o mundo está assim tão abestalhado que não se dá
conta??????? Vão matar para parar as mortes. Dá uma raiva danada, porque até o
meu filho de 5 anos sabe que isso não faz sentido.
Outro dia conheci alguém que foi soldado no exército turco. Ele
contou-me que ficava baseado na fronteira da Turquia com o Iraque, bem na época
em que os EUA foram para lá. Base estadunidense na Turquia, claro, porque a
OTAN assim exige. O ex- soldado contou-me que é contra qualquer invasão dos EUA
em qualquer lugar. Porque ele viu o que acontece. Disse mais (e eu fiquei, no
início, perplexa). Disse que admirava o Saddam Houssein. Depois de eu jogar-lhe
em cima todos os argumentos anti-ditadura decorados, ele explicou que admirava
o tenebroso Saddam porque ele nunca abriu mão das suas ideias por medo dos EUA,
mesmo que suas ideias fossem erradas. E contou que, agora, o Iraque está sob outra
ditadura, a estadunidense. Mais: profetizou que é exatamente o que vai
acontecer com a Síria.
Mas todos nós sabemos disso. Nós, o Obama, a ONU e todas as
pessoas do mundo (aquelas que deveriam lotar as ruas da Síria para pedir amor,
lembram?).
O ex-soldado também me disse outra coisa. Ele é muçulmano. Mas
não acha que isso o torne mais ou menos especial. Segundo ele, o mundo é como a
nossa mão. Cinco dedos, todos diferentes, mas todos fazem parte da mesma mão.
Eu sou a favor da invasão da Síria. Por soldados com poemas
no bolso. Cada pessoa do mundo pode ser um soldado com um poema.
Aí está! Por que, em vez de postarmos “oh meu Deus”, não
postamos e enviamos poemas para os presidentes do mundo todo? Poemas contra a
guerra, contra o ódio, contra o terror, contra o medo...
Não interessa se somos cristãos, muçulmanos, hindus,
budistas, ateus ou outra opção religiosa qualquer. Há poemas lindos em todas as
religiões e fora delas. Nós somos aproximadamente 7 bilhões de pessoas no
mundo. Já imaginaram 7 bilhões de poemas nas caixas de correio dos nossos
presidentes??? Algum impacto teria.
Ou terá... que tal esta ideia???
P.S. Depois desta nova ideia (ou utopia?), até esqueci das
minhas dores particulares.