segunda-feira, 10 de maio de 2010

A insólita história de João Madruga - parte I

A insólita história de João Madruga




“A diferença entre a verdade e a ficção é que a ficção tem de fazer sentido.”





João Madruga gostava acima de tudo da vida que tinha. Vindo de origem humilde, conseguira uma boa posição no governo após a Revolução e, com esta posição, angariara alguns imóveis que alugava.

O salário que recebia e as rendas dos imóveis garantiam-lhe uma existência que considerava luxuosa.

Todas as sextas-feiras, mandava buscar ao bazar quatro dúzias de galinhas rechonchudas, daquelas com a gordura amarela. Suas três esposas coordenavam a matança, limpeza e tempero das aves, que ficavam em uma enorme geleira comprada somente para este fim.

No sábado de manhã, João Madruga acordava com o sol e punha-se a coordenar a preparação das churrasqueiras para mais uma de suas famosas festas.

As grades de cerveja e refrigerante chegavam com os primeiros convidados. Aliás, “convidados” é uma maneira de dizer, porque as festas no sobrado do Madruga eram tão famosas que as pessoas iam chegando assim, mesmo sem convite. O verdadeiro chamariz era o aroma da galinha assada e o ritmo da música, sentidos a grande distância.

João Madruga recebia a todos com seu sorriso largo de poucos dentes. Desde parentes chegados até desconhecidos. Todos eram bem-vindos. O anfitrião regozijava-se em dividir com todos a sua prosperidade e, é claro, mostrar sua superioridade.

As festas viravam o sábado e terminavam nas últimas horas do domingo. Se o número de convidados era superior ao esperado, Madruga mandava buscar mais suprimentos ao bazar ou à distribuidora de bebidas. Pagava tudo na segunda-feira, pontualmente, e era considerado o melhor cliente dos estabelecimentos da cidade.

Durante a semana, Madruga dividia seu tempo entre os encontros nos cafés, as visitas às amantes e algumas poucas horas a marcar presença na Administração da Vila, afinal, se o administrador não aparece para trabalhar, ninguém trabalha também.

A vida, afinal, não podia ser melhor.

Só temia e respeitava o Partido. Afinal, fora graças a esta instituição que deixara para trás a vida de privações. Realmente valera à pena pegar em armas e lutar pela Revolução.

Mas tudo o que sobe, um dia desce...

Um comentário: