Seguindo
a História da humanidade, desde que o primeiro homem saiu para caçar e trouxe o
fruto do seu “trabalho” para alimentar o seu grupo, o uso da força física foi
determinante na construção das relações de poder dentro das sociedades. Ainda
no período pré-histórico, a posição de poder masculina foi reforçada nas
disputas tribais, onde os guerreiros eram considerados os integrantes mais
importantes do clã, recebendo melhor tratamento e melhor alimentação. Deste
modo, a mulher, em desvantagem física em relação ao homem, foi, desde o início
dos tempos, colocada em uma posição secundária e de dependência.
Estes
costumes pré-históricos perpetuaram-se e enraizaram nas sociedades posteriores
o modelo patriarcal. Este serviu e serve para justificar a subalternização e
discriminação da mulher, tornando-a mera reprodutora da espécie e dos próprios
conceitos que a subordinam. A mulher é o “sexo frágil”, portanto, por um lado,
deve ser protegida e sustentada e, por outro, não tem a capacidade de manter-se
a si própria, portanto, não tem o direito de escolha ou de decisão sobre a sua
vida ou a vida de outros. Deve aceitar a “protecção” e retribui-la com
dedicação, zelo e obediência.
Ainda
nos tempos modernos é comum ouvirem-se notícias de práticas humilhadoras da
mulher, inclusive sancionadas pelos governos de certos países ou culturalmente
aceitas e até incentivadas. É o caso – extremo, é claro – das mutilações
genitais em certas tribos, mas também há casos como a proibição dos estudos, de
participação na vida pública, da decisão sobre o seu corpo e a sua reprodução. Já
em outros países, onde a legislação protege ou dá direitos às mulheres, o sistema,
baseado no modelo patriarcal, “fecha os olhos” para casos de violência contra a
mulher.
Por
outro lado, enquanto o homem é visto como o provedor e a base do bem-estar da
família, espera-se da mulher que assuma o estereótipo de “mulher anjo”, a que
reproduz, cria e educa os filhos, cuida do lar e zela pelo marido, tudo sob a
guarda, tutela e aprovação deste. No caso de revoltar-se contra o sistema de
opressão que lhe é imposto, a mulher assume, então, o estereótipo de “mulher
prostituta”, tratada como objecto e irrelevante socialmente.
Desta
maneira, é negado à mulher a vivência como um ser completo, com necessidades,
desejos e aspirações. A sua sexualidade activa é vista como falha de carácter,
enquanto que a do homem é sinónimo de força e prestígio.
Este
mesmo sistema patriarcal, que coloca a mulher em segundo plano, é perpetrado
pelas próprias mulheres que, no papel de mães, educam seus filhos conforme
foram educadas. Desta maneira, as meninas brincam com panelinhas e bonecas,
aprendendo desde cedo que este será o seu papel na família, enquanto os meninos
jogam à bola ou brincam com carrinhos ou ferramentas, tarefas que sugerem o uso
da força física ou o trabalho remunerado, além do status social e da
convivência com outros do mesmo género fora de casa.
Isto
tudo leva a que a própria família reproduza a ordem social e estabeleça as
relações de poder, colocando o homem em uma hierarquia superior à da mulher.
Sendo
o poder e a dominação masculina socialmente aceites e corroborados, a violência
contra a mulher, na maioria dos casos, ocorre quando este poder é ameaçado ou
mesmo para validá-lo, para manter a condição de subalternidade da mulher. Em
mais raras situações ocorre quando o agressor sofre de algum distúrbio mental
ou emocional.
Diante
de tudo isto, podemos inferir que o uso da violência masculina surge no
processo da construção da identidade do homem, pois a força física possibilita
a imposição e a manutenção do poder masculino. Esta validação do uso da força
pelas sociedades patriarcais serve como afirmação da masculinidade, imposta e
cobrada socialmente. Paradoxalmente, esta imposição social é também um tipo de
violência contra o próprio homem, que é forçado a manter a sua posição de
dominação a qualquer custo.