No primeiro dia de inverno, tomou um banho demorado. Um verdadeiro
luxo na correria dos seus dias desocupados.
Sentiu com prazer a água quente nos seus ombros e a sensação
de frio quando se afastava da água.
Sentiu saudades do inverno rigoroso da sua terra, de ligar o
chuveiro e só despir-se quando o banheiro estivesse preenchido por uma neblina
espessa de vapor.
Desejou o aconchego do peso das cobertas e de sentir seu
corpo aquecer junto com a cama toda. O nariz, as orelhas e os olhos gelados
eram as únicas partes do corpo à mostra.
O inverno, aqui, era como o início do outono lá. E deixava o
ar-condicionado ligado no frio para sentir o medo de levantar da cama no meio
da noite. Medo de deixar o calor das cobertas para enfrentar o frio que fazia
tremer ao ponto de bater os dentes. Ilusão! Mesmo com o frio do aparelho no
máximo, no dia mais frio do inverno, aqui, não havia bater de dentes.
Pensando em tudo isso, no conforto do passado – porque o
passado é sempre mais confortável do que o agora – lembrou-se da sua meia
orfandade. Sim, meia, porque só um dos pais dava-lhe este título. E pensou
que se aquele adeus tivesse acontecido na sua primeira infância e não agora,
que já estava quase nos quarenta, teria sido muito pior.
E, lembrando de filhos sem pais, lembrou que não conhecia –
talvez não existisse mesmo – uma palavra para designar os pais que perdem seus
filhos. Há os órfãos de pai ou de mãe, ou de ambos, mas não há órfãos de
filhos. E concluiu que o seu idioma era sentimental, porque a dor de perder um
filho é tão grande e um acontecimento como este é tão antinatural que nem merece
um substantivo ou um adjetivo. De si podia dizer que tinha meia orfandade, mas
o que seria se perdesse um filho? Nada, não seria nada.
E achou essa ideia tão escabrosamente terrível que tratou
logo de afastar aquele pensamento, como quando passava por aquela cega sentada
sempre na mesma calçada, com o mesmo bebê, a boca pendurada no seu seio
seco, cobertos de sujeira e andrajos. Ela com uma mão estendida e uma perna
esticada, forçando as pessoas a desviar seu caminho ou, os mais corajosos, a
levantar mais o pé e esticar o passo para vencer o obstáculo. Às vezes alguma
alma culpada e envergonhada, disfarçada de caridosa, jogava uma moeda naquela
palma aberta, tomando sempre o cuidado de não tocar no destino da esmola, não
fosse a miséria ser contagiosa. Ele, o bebê, com os olhos vidrados no peito vazio, imóvel, como se estivesse à espera de que o leite jorrasse milagrosamente. Em alguns dias até parecia mais um boneco, sem movimentos, sem brilho, sem vida.
E com esses pensamentos todos, vestiu meias grossas, apertou
o botão de frio máximo no controle remoto do ar-condicionado, ajeitou os
travesseiros, deitou-se e puxou as cobertas – não tão pesadas como as de
antigamente – até embaixo do nariz. Adormeceu sonhando com os campos cobertos
de gelo e as lareiras acesas.
Tudo isso enquanto, no outro extremo do que os egoístas e
ignorantes chamam “mundo”, pessoas dançavam ao redor de um círculo de pedras
milenar para comemorar, como há mil anos, o Solstício de Verão.
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