sábado, 21 de junho de 2014

No primeiro dia de inverno




No primeiro dia de inverno, tomou um banho demorado. Um verdadeiro luxo na correria dos seus dias desocupados.

Sentiu com prazer a água quente nos seus ombros e a sensação de frio quando se afastava da água.

Sentiu saudades do inverno rigoroso da sua terra, de ligar o chuveiro e só despir-se quando o banheiro estivesse preenchido por uma neblina espessa de vapor.

Desejou o aconchego do peso das cobertas e de sentir seu corpo aquecer junto com a cama toda. O nariz, as orelhas e os olhos gelados eram as únicas partes do corpo à mostra.

O inverno, aqui, era como o início do outono lá. E deixava o ar-condicionado ligado no frio para sentir o medo de levantar da cama no meio da noite. Medo de deixar o calor das cobertas para enfrentar o frio que fazia tremer ao ponto de bater os dentes. Ilusão! Mesmo com o frio do aparelho no máximo, no dia mais frio do inverno, aqui, não havia bater de dentes.

Pensando em tudo isso, no conforto do passado – porque o passado é sempre mais confortável do que o agora – lembrou-se da sua meia orfandade. Sim, meia, porque só um dos pais dava-lhe este título. E pensou que se aquele adeus tivesse acontecido na sua primeira infância e não agora, que já estava quase nos quarenta, teria sido muito pior.

E, lembrando de filhos sem pais, lembrou que não conhecia – talvez não existisse mesmo – uma palavra para designar os pais que perdem seus filhos. Há os órfãos de pai ou de mãe, ou de ambos, mas não há órfãos de filhos. E concluiu que o seu idioma era sentimental, porque a dor de perder um filho é tão grande e um acontecimento como este é tão antinatural que nem merece um substantivo ou um adjetivo. De si podia dizer que tinha meia orfandade, mas o que seria se perdesse um filho? Nada, não seria nada.

E achou essa ideia tão escabrosamente terrível que tratou logo de afastar aquele pensamento, como quando passava por aquela cega sentada sempre na mesma calçada, com o mesmo bebê, a boca pendurada no seu seio seco, cobertos de sujeira e andrajos. Ela com uma mão estendida e uma perna esticada, forçando as pessoas a desviar seu caminho ou, os mais corajosos, a levantar mais o pé e esticar o passo para vencer o obstáculo. Às vezes alguma alma culpada e envergonhada, disfarçada de caridosa, jogava uma moeda naquela palma aberta, tomando sempre o cuidado de não tocar no destino da esmola, não fosse a miséria ser contagiosa. Ele, o bebê, com os olhos vidrados no peito vazio, imóvel, como se estivesse à espera de que o leite jorrasse milagrosamente. Em alguns dias até parecia mais um boneco, sem movimentos, sem brilho, sem vida.

E com esses pensamentos todos, vestiu meias grossas, apertou o botão de frio máximo no controle remoto do ar-condicionado, ajeitou os travesseiros, deitou-se e puxou as cobertas – não tão pesadas como as de antigamente – até embaixo do nariz. Adormeceu sonhando com os campos cobertos de gelo e as lareiras acesas.

Tudo isso enquanto, no outro extremo do que os egoístas e ignorantes chamam “mundo”, pessoas dançavam ao redor de um círculo de pedras milenar para comemorar, como há mil anos, o Solstício de Verão.

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