Imagem: Adão e Eva após Gustave Klimt - Paulo Ghiraldelli Jr.
Bem-vindos ao ano de 5769. Na semana passada o calendário judaico marcou a entrada neste novo ano que celebra mais um aniversário sobre a criação do Homem, ao Sexto Dia.
Judeus e cristãos modernos conceberão a ideia de Adão e sua costela feminina como uma bonita e alegórica história da inspiração divina do homem. Porém, muitos outros ainda acreditam que há quase seis milénios Deus, quase pronto para um bom descanso, terá tido a brilhante ideia de criar uma criatura mais ou menos à sua imagem.
As religiões sempre cumpriram uma importante função, nomeadamente a de fornecer explicações simplificadas do mundo. Porém, ao fazê-lo, regra geral excluíram outras alternativas. O conceito da criação divina do mundo deixou como legado a ideia de que existe uma certa ordem natural das coisas. Que a realidade é como é porque Deus quer. Usando essa mesma lógica, há quem alegue que certas coisas são contranatura.
A homossexualidade tem sido uma dessas coisas. Um dos argumentos sempre utilizados para remetê-la para o domínio do anormal, do patológico ou do moralmente repreensível, é essa ideia de que os homens foram naturalmente feitos para se relacionarem com mulheres e vice-versa. Que dois homens ou duas mulheres juntos num relacionamento são uma aberração aos olhos de uma qualquer divindade.
O problema com essa argumentação é que o Homem é das coisas menos naturais à face da terra. Para serem mesmo naturais, os homens nunca deviam fazer a barba e as mulheres deveriam deixar os pêlos das suas pernas crescer descontroladamente. Deveríamos andar a pé e não de carro e de preferência descalços, pois isso seria a coisa mais natural a fazer.
Na natureza, por seu lado, encontramos pinguins gay na Nova Zelândia, macacos sexualmente polimorfos no Congo e golfinhos bissexuais por esses oceanos fora.
Alguns desses animais contranaturais estabelecem relações monogâmicas por toda uma vida, muito ao contrário da maioria dos humanos. Em que pé é que isso deixa o casamento como natural ou antinatura?
Até muito recentemente na história da humanidade, o casamento como a união da vontade de duas pessoas não existia. Existiu sim durante muito tempo como a união de quatro vontades, as dos pais dos noivos, não tendo os próprios qualquer voto na matéria. Por isso, não deixa de ser irónico agora que, quando dois homens ou duas mulheres se querem casar, a sociedade não os deixe, muitas vezes por considerar os seus desejos contrários à tal ordem natural das coisas. Porém, desde a trincadela da maçã primordial que o Homem não deixou de contrariar essa ordem. Argumentar que casamentos homossexuais não são aceitáveis é tão bacoco quanto defender que não devíamos usar telemóveis. Afinal, vivemos numa sociedade laica, certo?
in Revista Pública, 12/10/08, p. 61
por Nuno Nodin
Bem-vindos ao ano de 5769. Na semana passada o calendário judaico marcou a entrada neste novo ano que celebra mais um aniversário sobre a criação do Homem, ao Sexto Dia.
Judeus e cristãos modernos conceberão a ideia de Adão e sua costela feminina como uma bonita e alegórica história da inspiração divina do homem. Porém, muitos outros ainda acreditam que há quase seis milénios Deus, quase pronto para um bom descanso, terá tido a brilhante ideia de criar uma criatura mais ou menos à sua imagem.
As religiões sempre cumpriram uma importante função, nomeadamente a de fornecer explicações simplificadas do mundo. Porém, ao fazê-lo, regra geral excluíram outras alternativas. O conceito da criação divina do mundo deixou como legado a ideia de que existe uma certa ordem natural das coisas. Que a realidade é como é porque Deus quer. Usando essa mesma lógica, há quem alegue que certas coisas são contranatura.
A homossexualidade tem sido uma dessas coisas. Um dos argumentos sempre utilizados para remetê-la para o domínio do anormal, do patológico ou do moralmente repreensível, é essa ideia de que os homens foram naturalmente feitos para se relacionarem com mulheres e vice-versa. Que dois homens ou duas mulheres juntos num relacionamento são uma aberração aos olhos de uma qualquer divindade.
O problema com essa argumentação é que o Homem é das coisas menos naturais à face da terra. Para serem mesmo naturais, os homens nunca deviam fazer a barba e as mulheres deveriam deixar os pêlos das suas pernas crescer descontroladamente. Deveríamos andar a pé e não de carro e de preferência descalços, pois isso seria a coisa mais natural a fazer.
Na natureza, por seu lado, encontramos pinguins gay na Nova Zelândia, macacos sexualmente polimorfos no Congo e golfinhos bissexuais por esses oceanos fora.
Alguns desses animais contranaturais estabelecem relações monogâmicas por toda uma vida, muito ao contrário da maioria dos humanos. Em que pé é que isso deixa o casamento como natural ou antinatura?
Até muito recentemente na história da humanidade, o casamento como a união da vontade de duas pessoas não existia. Existiu sim durante muito tempo como a união de quatro vontades, as dos pais dos noivos, não tendo os próprios qualquer voto na matéria. Por isso, não deixa de ser irónico agora que, quando dois homens ou duas mulheres se querem casar, a sociedade não os deixe, muitas vezes por considerar os seus desejos contrários à tal ordem natural das coisas. Porém, desde a trincadela da maçã primordial que o Homem não deixou de contrariar essa ordem. Argumentar que casamentos homossexuais não são aceitáveis é tão bacoco quanto defender que não devíamos usar telemóveis. Afinal, vivemos numa sociedade laica, certo?
in Revista Pública, 12/10/08, p. 61
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