domingo, 1 de novembro de 2009

Voltando à adolescência

* Perdoem-me os leitores acostumados a textos mais maduros, mas ontem assisti ao filme Twilight (Crepúsculo, em português) e não resisti à uma viagem no tempo...

Qual a adolescente que não quer um romance como este??? Pelo menos qual adolescente da minha geração...

Viajem comigo, ok?






Eduardo

Meu nome é irrelevante, pois ninguém me chama. Tenho 17 anos e acabo de chegar a uma cidadezinha encravada nas montanhas, onde o sol raramente aparece a rasgar a intensa neblina que cobre o lugar.

Estou perdida, assustada, despreparada para esta mudança. As pessoas são simpáticas, tentam receber-me bem, mas quando saio à rua sinto mil olhos a analisar-me, a tentar perceber-me. Sinto-me um objeto numa vitrine ou, pior, uma peça de leilão.

A escola é uma tortura. Não consigo acompanhar as conversas nos intervalos, não sei do que falam, sorrio para concordar e não deixar transparecer o tamanho da minha inadequação naquele espaço. Falam sobre festas, dias ensolarados em lugares distantes, ouvem músicas que ferem meus ouvidos até a alma, riem alto de motivos sem graça.

Passo meus dias a remoer lembranças de uma vida que não conheci. Sonho acordada com lugares que nunca vi. Sinto coisas que não consigo explicar. Escondo-me do mundo e dos seus olhos, os fones de ouvido e os livros são o meu refúgio.

Nada me interessa neste lugar. Não há nada que me chame a atenção por aqui.

Até aquele dia.


Foi mais um dia de tortura na escola. Estava sentada a fingir ouvir as conversas, de vez em quando anuía com a cabeça e sorria para parecer interessada, quando senti este frio percorrer-me a espinha, uma brisa gelada que parecia levantar minha pele e penetrar na minha alma. Uma força inexplicável fez-me virar para trás, em direção à porta.

Neste momento, fez-se um silêncio profundo. Tudo o que estava ao meu redor desapareceu. Via somente aqueles olhos felinos que olhavam diretamente para mim, para dentro de mim. Sua pele terrivelmente branca iluminava a cafeteria e seus lábios, de um vermelho vivo perturbador, pareciam beijar-me à distância.

Fiquei paralisada não sei durante quanto tempo, congelada naquele momento mágico e assustador.

De repente, como se aperta o botão “play” do controle remoto após uma pausa em um filme, o tempo voltou a correr, aquela criatura mágica desviou o seu olhar do meu e foi para o fundo da sala, sentar-se a uma mesa atrás de mim.

O barulho ensurdecedor do intervalo das aulas na cafeteria voltou. Tentei voltar também à minha tarefa de fazer-me parecer interessada na conversa, mas já não pude. Sentia aqueles olhos cravados na minha nuca, sentia aquele vento frio dentro de mim.
Elda, uma das poucas pessoas que eu conseguia entender e acompanhar, reparou na minha perturbação e sentenciou:

- Ele chama-se Eduardo. Mas não adianta sonhares. A sua beleza é proporcional ao mistério em torno dele. Ninguém sabe nada a seu respeito, nunca conversou com ninguém, ninguém nunca ouviu sequer sua voz. Todos chamam-no “O Estranho”.

Naquela noite, sonhei com Eduardo. Mas não foi um sonho qualquer. Foi um sonho real e fantástico ao mesmo tempo. Estávamos acima das montanhas, em outro momento, estávamos no fundo do oceano e, por fim, ele estava em meu quarto, parado em frente à minha cama, fitando-me com seus olhos brilhantes. Pisquei e ele desapareceu, deixando somente aquele vento gelado dentro de mim.


Na manhã seguinte resolvi não pensar mais no assunto. Aquela noite havia sido o resultado da advertência de Elda, combinada com minha fértil imaginação e necessidade de novidades naquela vida tão sem graça. Decidi não pensar mais em Eduardo, esquecer a sua existência (ou não existência, segundo Elda).

Mas o desejo da mente nem sempre vai de encontro ao desejo da alma. Procurei-o a manhã toda. Em cada lugar que entrava, sentia seus olhos a fitarem-me a nuca. Corria os olhos por todos os cantos e não o via.

Dias passaram-se e eu já estava a começar a acostumar-me com a ideia da sua inexistência. Talvez tudo aquilo fosse uma forte alucinação criada pelo tédio da cidade pacata. Foi quando Eduardo apareceu novamente.

Estava a ler, deitada na minha cama, quando senti sua presença. Levantei os olhos do livro e ele estava ali, em pé, em frente à minha cama, como eu havia sonhado na primeira noite. Pensei estar sonhando novamente, talvez um terrível pesadelo do qual não conseguisse acordar.

Meu coração batia aceleradamente, meus olhos não conseguiam desviar o olhar de Eduardo. Ainda assim não conseguia definir de que cor eram os seus olhos. Seu brilho era tão intenso que pareciam dourados. Meu corpo todo estava gelado, eu paralisada. Foi quando, num piscar de olhos, ele venceu a distância entre nós e aproximou sua boca vermelho vivo da minha. Fechei os olhos à espera do beijo, como num transe e, quando os abri, estávamos no ar, sobrevoando montanhas, desertos, oceanos.

Ele contou-me da sua dor, da sua sede pela vida que não podia ter. Falou-me de outros tempos, de civilizações inteiras aniquiladas pela ignorância humana, de vidas ceifadas em pontas de lanças e fogueiras. Segredou-me sua natureza e seu anseio pela humanidade.

Eu não podia entender como sentimentos tão humanos habitavam um coração sem calor. Sei que deveria ter sentido medo, mas paradoxalmente só me sentia segura em seus braços.

Senti em seu hálito frio o calor de um amor puro, profundo, arrebatador, eterno. Senti-me viva ao desejar a morte doce.

Meu nome, agora, de irrelevante passou a nenhum. Só o chamado de Eduardo me importa. E ele não precisa chamar meu nome. Porque somos um, eternamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário