terça-feira, 22 de junho de 2010

Da série "Livros"

Moça lendo com o cão
(Charles Burton Barber)


Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso,
nem porto,
alimentam-se um instante em cada
par de mãos
e partem.
E olhas, então, estas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

(Mário Quintana)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A insólita história de João Madruga - Parte II

Foi num desses sábados de festa que um conhecido deu-lhe a notícia: a oposição havia tomado de golpe o governo. Os líderes do Partido estavam todos presos ou executados a tiros de fuzil.


João Madruga não tomou a notícia em conta. Havia sempre alguma confusão na capital, mas o Partido sempre as sufocara antes que se espalhassem pelo interior. Além do mais, aquela sua vila era tão longe de tudo que, se realmente o Partido tivesse caído, o novo regime nunca se lembraria de bulir por ali.

Macumba era uma vila simpática, de ruas largas ladeadas de simpáticos sobrados, todos construídos pelo antigo regime. As árvores frutíferas cresciam ordenadamente ao longo das avenidas e, na época da floração, davam à cidade um ar bucólico que chegava a dar a impressão de pertencer a outro mundo.

A economia era praticamente auto-sustentada. Pescava-se, plantava-se e, o que não podia ser produzido ou obtido do local, era trazido por um caminhão que visitava a loja do indiano Salim de seis em seis meses. Quando a encomenda chegava, o empório de Salim ficava abarrotado de gente que disputava panelas de alumínio, bacias de plástico e tecidos. O movimento durava quase um mês, depois diminuía como o estoque da loja.

Os habitantes da vila de Macumba empenhavam-se em manter o isolamento do resto do mundo. Quando chegavam notícias de fora, eram trazidas pelos raros visitantes ou pelo motorista do carro dos correios que, mensalmente, trazia alguma pouca correspondência, geralmente oficial ou relativa aos movimentos do posto bancário da vila.

O único telefone estava na Repartição dirigida por Madruga, mas havia avariado há tanto tempo que ninguém mais lembrava-se dele. Até porque ninguém tinha necessidade de falar com o exterior. Os parentes estavam todos ali na vila, quem nascia em Macumba morria em Macumba. Enfim, a vila de Madruga era tão isolada que em muitos lugares do país ninguém sabia da sua existência.

Por isso, o administrador da Repartição não se preocupava com as recentes notícias. De certeza que havia alguma luta para os lados da capital, mas seria abafada pelo Partido muito antes de os rebeldes lembrarem-se de chegar a Macumba.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago voou




Hoje está nos jornais eletrônicos e circulando em todos os e-mails a notícia que amanhã chegará aos jornais de papel...

SARAMAGO MORREU!

Quando recebi a mensagem, a primeira reação foi ficar triste. Pensei logo em fazer esta postagem e fui procurar uma foto que simbolizasse o luto para ilustrar este meu pobre comentário.

Depois desisti... luto? Por quê??? Saramago é imortal! Assim como Joyce, Shakespeare, Dante, Camões e tantos outros. Quem nos dá páginas tão irresistíveis e perturbadoras nunca morre.

Esta é a vantagem dos grandes escritores. Com a sua morte física, são mais e mais lidos. E a cada novo leitor ou re-leitor o escritor fica mais vivo, mais presente. É como se sua alma se transportasse para as páginas dos livros. E o escritor transmuta-se, desdobra-se, multiplica-se, até que já não pode mais ser ignorado mesmo por aqueles que nunca o leram ou mesmo nunca gostaram de suas obras.

Ora... quantos leram Shakespeare? Mas quantos sabem quem ele é???

Então afirmo: não há luto na morte de Saramago. Há regozijo! Regozijo pelo seu legado, pela beleza de suas páginas, que ele ofereceu tão polemicamente à toda a humanidade.

Neste momento, consigo lembrar-me de uma citação que penso ser uma das mais marcantes da obra de Saramago:

"Não me acuse o leitor de obscurantista. Tenho uma confiança danada no futuro e é para ele que as minhas mãos se estendem. Mas o passado está cheio de vozes que não se calam e ao lado de minha sombra há uma multidão infinita de quantos a justificam." (“Os Portões que dão para onde?”, in A Bagagem do Viajante, Editorial Caminho, 6.ª ed., P. 84).

Pois é... ele agarrou o futuro com as duas mãos. As vozes do passado, que levantavam-se facilmente com críticas, agora, talvez, pensem duas vezes antes de manifestarem-se.

Afinal, Saramago voou, é imortal!!!

 
P.S. Quem quiser conferir a última postagem de Saramago em seu blogue, acesse Nem leis, nem justiça , postado por ele no último dia 13 de fevereiro.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A insólita história de João Madruga - parte I

A insólita história de João Madruga




“A diferença entre a verdade e a ficção é que a ficção tem de fazer sentido.”





João Madruga gostava acima de tudo da vida que tinha. Vindo de origem humilde, conseguira uma boa posição no governo após a Revolução e, com esta posição, angariara alguns imóveis que alugava.

O salário que recebia e as rendas dos imóveis garantiam-lhe uma existência que considerava luxuosa.

Todas as sextas-feiras, mandava buscar ao bazar quatro dúzias de galinhas rechonchudas, daquelas com a gordura amarela. Suas três esposas coordenavam a matança, limpeza e tempero das aves, que ficavam em uma enorme geleira comprada somente para este fim.

No sábado de manhã, João Madruga acordava com o sol e punha-se a coordenar a preparação das churrasqueiras para mais uma de suas famosas festas.

As grades de cerveja e refrigerante chegavam com os primeiros convidados. Aliás, “convidados” é uma maneira de dizer, porque as festas no sobrado do Madruga eram tão famosas que as pessoas iam chegando assim, mesmo sem convite. O verdadeiro chamariz era o aroma da galinha assada e o ritmo da música, sentidos a grande distância.

João Madruga recebia a todos com seu sorriso largo de poucos dentes. Desde parentes chegados até desconhecidos. Todos eram bem-vindos. O anfitrião regozijava-se em dividir com todos a sua prosperidade e, é claro, mostrar sua superioridade.

As festas viravam o sábado e terminavam nas últimas horas do domingo. Se o número de convidados era superior ao esperado, Madruga mandava buscar mais suprimentos ao bazar ou à distribuidora de bebidas. Pagava tudo na segunda-feira, pontualmente, e era considerado o melhor cliente dos estabelecimentos da cidade.

Durante a semana, Madruga dividia seu tempo entre os encontros nos cafés, as visitas às amantes e algumas poucas horas a marcar presença na Administração da Vila, afinal, se o administrador não aparece para trabalhar, ninguém trabalha também.

A vida, afinal, não podia ser melhor.

Só temia e respeitava o Partido. Afinal, fora graças a esta instituição que deixara para trás a vida de privações. Realmente valera à pena pegar em armas e lutar pela Revolução.

Mas tudo o que sobe, um dia desce...

Iniciação - meu primeiro conto

Olá a todos!

A próxima postagem é a primeira parte de um conto que estou escrevendo. Ou escrevinhando, ou rabiscando, se preferirem...

Como é a primeira versão, estou à espera de críticas! Como todos sabem, de escritora não tenho nada, mas de metida tenho tudo.

O conto chama-se "A insólita história de João Madruga" e baseia-se em uma história que ouvi no salão de cabeleireiro. Afinal, quem disse que as fofocas não rendem nada??? Conta a vida de um homem que subiu e depois desceu. Os detalhes, acompanhem aqui, no Devezenquandário.

Espero que gostem mas, se não gostarem, por favor digam, ok?

Fui!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Quintana 4ever!!!


A RUA DOS CATAVENTOS
VI
Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.

Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola...

Mas nesta rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.

Ele trabalha silenciosamente
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente...


terça-feira, 6 de abril de 2010

Da série "Livros"

(O Livro-Árvore - Salvador Dali)


Muitos homens iniciaram uma nova era na sua vida a partir da leitura de um livro.

(Henry David Thoreau )

"Homo homini lupus"??? Nãããããooooo!!!!


Ontem no início da tarde, quando cheguei à minha loja, encontrei um bilhete de identidade colocado entre as grades da entrada. Imaginei logo que alguém o tivesse encontrado por ali e o tivesse deixado à vista para quem o perdeu, se voltasse a procurá-lo, encontrasse com facilidade.

Temendo que o tal bilhete de identidade tomasse outros rumos que não fosse voltar para o seu proprietário, pedi ao meu funcionário que o entregasse na esquadra de polícia que fica perto da loja.

Meu funcionário respondeu logo que não, que se entregasse o bilhete de identidade na esquadra poderia ter problemas, pois aquele documento poderia ser de alguém que foi agredido e a polícia poderia pensar que ele havia sido o agressor. Eu tive de insistir para que ele fosse até lá. Ele acabou por concordar, mas contrariado.

Afinal, ele entregou o documento na esquadra e não lhe aconteceu nada.

Depois fiquei pensando... o que leva uma pessoa a temer fazer o que é correcto? Será que a nossa sociedade está tão viciada e tão desconfiada que mesmo um acto de solidariedade e nobreza pode ser interpretado como algo ruim?

Já ouvi em algum lugar que o ser humano é desconfiado e mau por natureza. “Homo homini lupus” (em latim, alguma coisa como “o homem é o lobo do próprio homem”), aprendi com Thomas Hobbes. Mas não concordo de maneira alguma com esta afirmação. Vejo que a humanidade é boa e nobre, que os homens têm atitudes de solidariedade e piedade para com os seus próximos todos os dias.

Quantas pessoas deixam a sua terra natal, sua casa, pais, amigos, para passarem por dificuldades e perigos somente para ajudar? Quantos voluntários padecem somente porque sentem a necessidade de atenuar a dor dos que sofrem demais?

No nosso dia-a-dia também encontramos pessoas assim. Pessoas que se preocupam com a miséria à sua volta. Pessoas anónimas que com um olhar, um pedaço de pão, uma mão amiga atenuam o sofrimento de outros.

E não estou a falar de Madres Teresas, Gandhis, Dianas... estou a falar de pessoas comuns, que acordam todos os dias e vão batalhar pela vida, trabalham de sol a sol, têm problemas e sofrem e, mesmo assim, encontram um tempo e um espaço no coração para os mais necessitados.

Mas muitos de vocês devem estar a dizer: “ah! Esqueces-te dos bárbaros que assassinam e fazem horrores todos os dias? Esqueces-te das guerras implacáveis que só servem para fazer sofrer inocentes? Esqueces-te dos mesquinhos?”.

E eu respondo: “Não, não esqueço-me.”

Estes mesquinhos e bárbaros também são coitados. E são os maiores coitados. Não merecem o nosso ódio, porque o ser humano não foi feito para odiar. Merecem a nossa compaixão, a nossa piedade, porque são almas perdidas que nunca conheceram o amor, nunca souberam o que é um abraço reconfortante, nunca sentiram seu coração aquecido pelo amor. Enfim, não são seres humanos. Porque os seres humanos não são lobos. Os seres humanos são coração, amor.

Continuemos sendo seres humanos, amando, ajudando, consolando. Que todos nós nunca esqueçamos da nossa essência pacífica e amorosa.

E, principalmente, que nunca tenhamos medo de fazer o que é certo.

Ah! E uma observação, para ilustrar e esclarecer o título deste escrevinhamento...

Os lobos não são maus. Nenhum animal é mau. Atacam para se defender. São assustadiços. Como os humanos...

sexta-feira, 26 de março de 2010

Da série "Livros"

(Livros, de Van Gogh)

"A leitura engrandece a alma."

(Voltaire)

quinta-feira, 25 de março de 2010

Sobre as guerras (ditas) religiosas

Está publicado no Diário de Moçambique de hoje este belo texto sobre este assunto tão pavoroso.

Faço questão de dividir com todos. Apesar do assunto ser pavoroso, tem sempre de ser lembrado para que estas atrocidades deixem de acontecer.

Aqui, no Devezenquandário, há um outro texto, meu, sobre este mesmo assunto: Guerras Religiosas, Guerras Mentirosas, se quiserem acessar.


(Imagem do documentário "The Other Side of the Country", de Catherine Hébert)


Guerra, paz e religião

Por P. Manuel Ferreira

Os romanos definiam a paz como tranquilitas ordinis, tranquilidade da ordem ou na ordem. Onde não há paz, há uma forma de guerra. E, a partir daquela definição, podem ser três essas formas: a tranquilidade na desordem, a intranquilidade na ordem, e a intranquilidade na desordem. A guerra é sempre uma desarmonia dolorosa e sangrenta, nas relações humanas: entre indivíduos, entre famílias, entre tribos, entre nações, entre blocos, entre inteiros continentes.

Toda a pessoa tem, lá bem dentro, uma aspiração fundamental de tranquilidade e de ordem. Ninguém gosta da desordem ou da intranquilidade. Quando gostar, é porque as vê e define como o contrário delas. Ninguém vê na guerra um bem. Poderá ver um mal menor e necessário. Só se recorre à guerra, quando se esgotam todos os outros meios de chegar à ordem da justiça e da dignidade humana.

A guerra sempre teve uma causa, com a pretensão de a justificar. Quem a provoca e promove usa-a como meio de defender determinados valores considerados intocáveis, ou de conseguir determinados interesses: econômicos, políticos, sociais.

Ao falarmos de guerra religiosa, seria mais exacto falar de uma guerra entre pessoas que seguem uma religião, e que a usam como pretexto, como bandeira, e até como máscara. Muitas vezes, o motivo decisivo e principal delas não é o religioso. É antes o interesse social, económico ou outro. A guerra sangrenta na Nigéria é religiosa, por ser entre cristãos e muçulmanos. Mas a motivação principal não é a religião. Será talvez a questão tribal, a questão económica, a questão territorial. Na guerra cruel no Uganda, o Exército do Senhor comete, todos os dias, as maiores atrocidades contra inocentes. Exército do Senhor significa mesmo exército de Deus. Esta guerra só é religiosa porque se instrumentaliza a religião, para justificar as maiores desumanidades. São pessoas religiosas a matar-se, não por causa da religião, mas apesar da religião.

Na Idade Média, ficaram tristemente famosas as cruzadas, as guerras entre cristãos e muçulmanos. Os cristãos pensavam prestar culto a Deus, matando os muçulmanos. E nos muçulmanos pensavam prestar culto a Allá, matando esses infiéis, que eram os cristãos. Tanto uns como outros combatiam até à morte, e pensavam cumprir um dever religioso. Quando agora analisamos estas guerras "santas", espanta-nos como é que uns e outros não viram a corrupção da religião que elas significavam. São bem conhecidas as causas sociais, políticas e económicas, além do obscurantismo e do esquecimento dos valores essenciais, que todas as religiões ensinam.

A guerra é tanto mais cruel, quanto mais indiscutíveis se consideram os valores pelos quais os homens se batem. A religião, a política, o amor, o futebol, são desses valores, que mais profundamente apaixonam o coração humano. E quanto o coração se apaixona e descontrola, acaba por trocar os nomes às realidaes, e de pesar e medir tudo com pesos e medidas alterados.

Atente-se na área semântica da guerra: batalha, combate, luta, pugna, agonia. Luta pela vida... a vida é uma luta... Luta armada... quem perde uma batalha ainda não perdeu a guerra.

Finalmente, um texto sugestivo, de São Tiago: "De onde vêm as guerras? De onde vêm as lutas entre vós? Não vêm dos prazeres, que guerreiam nos vossos membros? Cobiçais, mas não tendes. Matais e buscais, com avidez, mas nada conseguis obter. Entregai-vos à luta e à guerra. E com tudo isto, nada possuís."

Livros

Hoje recebi um e-mail lindíssimo de um grande amigo.

Gostaria de compartilhar com todos vocês. É uma série de citações sobre este nosso companheiro de vida, o livro.

Vai a primeira, espero que gostem!




"Sempre que se conta um conto de fadas, a noite vem."

(Clarissa Pinkola Estés)

E, claro, um P.S. da Aline...
Lembram quando estávamos quase a dormir e um dos nossos pais nos lia uma história ou simplesmente contava uma inventada?
Lembram como sonhávamos depois com aquela história?
Fiquem com esta lembrança boa!!!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Preservação da espécie humana

Quando estava grávida, li em algum lugar que aquele sentimento de amor e carinho que sentimos quando vemos uma criança faz parte do nosso instinto de preservação da espécie, é fisiológico e não psicológico. Quem não tem estes sentimentos provavelmente tem alguma falha genética.


Mas isso fez-me pensar... Será que a humanidade está passando por alguma mutação genética quase geral? Porque cada vez mais vemos crianças maltratadas e ignoradas.

Onde está o nosso instinto de preservação? E não falo aqui somente da procriação, mas também da preservação da espécie humana pelo que a caracteriza, ou seja, o que chamamos humanidade.

O conceito desta palavra – humanidade – tem a ver com preocupação, sentimento, caridade. Afinal, o que nos diferencia (pelo menos teoricamente) dos outros animais é justamente a capacidade de raciocinar e de amar.

Infelizmente, tenho visto muitos animais ditos irracionais mais humanos do que os próprios humanos. Eles praticam a caridade e o amor ao próximo, cuidam e protegem os seus.

Se a coisa continuar assim, vamos ter de reescrever os dicionários. A palavra humano terá de ser riscada deles ou, quem sabe, corrigida. Terá de passar a significar qualquer animal que consiga amar.

Neste sábado estive em um lugar muito triste. Chama-se Centro de Acomodação Santos Inocentes. É um orfanato, recheado de crianças que, apesar do abandono e da pobreza extrema, não perderam a capacidade de amar. Mas porque ainda amam, sentem a necessidade de amor.

Estava a brincar com alguns meninos quando senti uma mãozinha pequenina pegar na minha mão. Olhei para baixo e vi um menino dos seus quatro ou cinco anos, com o narizinho escorrendo, a fitar-me com uns olhos que cabiam o mundo. Abaixei-me e perguntei-lhe o nome. Ele não respondeu. Limitou-se a fixar o seu olhar no meu e eu, naquele momento, soube tudo o que ele queria dizer. Afinal, só queria que eu lhe pegasse na mão, somente um pouquinho de carinho, de amor de mãe.

Quando estava indo-me embora, reparei neste mesmo menino ao longe, sem roupas, a tentar vestir-se sozinho. Corri para ajudá-lo e, surpresa, era uma menina. Quando peguei no macacãozinho para vestir-lhe, reparei que estava sujo, ela havia feito coco. Sem supervisão, tentou resolver o problema sozinha.

Peguei-a pela mão e levei-a até onde estavam algumas mulheres responsáveis pelo lar. Elas chamaram-na pelo nome – Sofia - e tomaram conta dela.

Fui-me embora, mas meu coração ficou lá naquele lugar. À noite, não conseguia parar de pensar em como estaria a Sofia. Tentei me tranquilizar, convencendo-me de que ela, afinal, não sentia falta de um aconchego antes de dormir, ou de uma cama limpinha só para ela porque nunca teve este tipo de coisa. Mas não adiantou... não consegui enganar-me! Qual é a criança, afinal, que não precisa de amor e carinho? Mesmo nunca tendo conhecido, seu coraçãozinho sente falta de calor.

Desespero-me, então. O que posso fazer? Não tenho como trazer a Sofia para minha casa e, se pudesse fazê-lo, quantas Sofias ainda estariam na mesma situação dela???

A Sofia, assim como o Jaimito, de quem vocês conheceram a história há algum tempo, são vítimas de algumas daquelas pessoas que estão sofrendo a tal mutação genética. Quem, neste mundo, pode abandonar à sua própria sorte um pequenino que precisa de cuidados e amor?

Meu pai, quando meu filho nasceu, comentou que o ser humano é o único animal que precisa de proteção na sua infância. Todos os outros animais tornam-se independentes quase logo que nascem. Alguns já começam a caminhar e a buscar alimento assim que nascem, outros precisam de supervisão, mas somente durante pouquíssimo tempo.

O ser humano não. Precisa da proteção e do amor – porque, como disse uma amiga nos sábado, amor de mãe ajuda a crescer – para desenvolver-se com saúde física e psicológica.

O que podemos, então, fazer para travar esta mutação genética da espécie humana??? E, urgentemente, salvar as vítimas desta doença terrível?

Abrir orfanatos é uma solução, mas é apenas o começo da solução. Estes locais têm de tornar-se verdadeiros lares para estas crianças, elas têm de sentir-se amadas e protegidas. Têm de crescer saudáveis e tornarem-se homens e mulheres aptos e capazes para enfrentar a vida aqui fora, que, todos nós sabemos, não é nada fácil. Estas crianças precisam, e continuo a me repetir, de amor, amor, amor, amor!!! Esta é a única cura para a tenebrosa mutação genética que a humanidade está sofrendo. Precisamos preocupar-nos muito mais com nossos pequenos, que, também, são nossos filhos, pois são filhos da humanidade, são da nossa espécie.

Abaixo, vocês verão algumas fotos do lugar onde a Sofia e muitos outros vivem. Quem quiser saber onde fica, é só perguntar pelo Lar Santos Inocentes, no bairro da Manga, na cidade da Beira.

Mas se não encontrar o Santos Inocentes, pode ir a qualquer orfanato que conheça, perto da sua casa. Não precisa levar presentes, leve apenas seu amor, um carinho, um abraço, um beijo. Fique algum tempo com as crianças, brinque e ouça suas histórias. Ou, simplesmente, olhe-as nos olhos.

Tenham todos um Natal iluminado, que sua família esteja unida e seus pequenos protegidos!















sábado, 28 de novembro de 2009

Os mitos do fim do mundo

Reproduzo aqui um texto que achei muito interessante.

O original está no site do Somos Todos Um





:: Graziella Marraccini ::



De vez em quando surgem boatos sobre o fim do mundo! Essas notícias aparecem a cada final de século (lembrem-se do ano 2000!) e agora estão circulando novamente por causa das profecias anunciadas no Calendário Maia. Com a facilidade de comunicação proporcionada pela Internet, as notícias se espalham como praga e a divulgação de mais um filme-catástrofe que anuncia 2012 como o Fim do Mundo, coloca lenha na fogueira, espalhando ainda mais o medo de que em 21 de dezembro de 2012 o mundo irá acabar numa série de super-catástrofes sucessivas! Recebo todos os dias e-mails de internautas que me pedem explicações e esclarecimentos.

Não tenho ainda muitos elementos sobre o assunto, pois 2012 me parece ainda longe de minha realidade. Além disso, eu sou o tipo de pessoa que caminha pela Senda Pessoal, observando o hoje, o aqui e agora, para não deixar que as coisas boas que eu posso aproveitar neste momento sejam estragadas definitivamente por pensamentos negativos gerados pela visão de um horizonte negro que ainda não chegou! Não quero dizer, com isso, que não esteja atenta aos acontecimentos futuros, já que a astrologia é também uma arte de previsões e esse é meu oficio. E é por isso mesmo que não vejo nada de particularmente catastrófico no céu do ano de 2012!

Vamos analisar os fatos: primeiramente, o calendário Maia NÃO termina realmente em 2012! Essa civilização considerava este ano como um ponto importante e determinante que indicaria o fim de um ciclo e o início de outro, na evolução da humanidade. Os Maias registraram o tempo de forma precisa, como poucas culturas fizeram naquela época. Durante o apogeu do império Maia foi criado um calendário, chamado de Grande Contagem. Este calendário iniciava sua contagem do tempo em 11 de agosto do ano 3.114 antes de Cristo. Esta data foi considerada o 'Ano Zero' desta era. Este calendário circular que parece um disco de pedra é encontrado nas casas esotéricas, pelo menos em suas inúmeras reproduções. Bem, segundo este calendário, no momento em que acontece o Solstício de Inverno do ano 2012, terminaria a primeira grande contagem, ou seja, terminaria um ciclo de civilização e reiniciaria o ano zero de uma nova era.

O filme 2012 é mais uma façanha holywoodiana para assustar os incautos e ingênuos que se deixam influenciar facilmente, por causa de sua ignorância! No filme em questão, o 'deslocamento dos pólos' seria causa das grandes catástrofes que acabariam por deslocar as placas tectônicas dos continentes com conseqüências desastrosas. O derretimento das calotas polares está realmente acontecendo e este é um fato facilmente comprovado que requer medidas urgentes por parte dos governantes do planeta. O buraco de ozônio faz subir a temperatura que derrete o gelo polar e se o mar subir como está previsto, muitas cidades litorâneas e ilhas rasas irão realmente desaparecer. Esse fenômeno se acentuou consideravelmente por causa da poluição causada pela industrialização dos países 'civilizados'. É verdade também que alguns cientistas afirmam que está ocorrendo um 'rearranjo' das placas tectônicas, e que esse fenômeno causa terremotos e tsunamis, mas isto já não aconteceu inúmeras vezes ao longo da história da humanidade? Por que desta vez isto seria muito pior? Acontecerá, então, o Big One, o grande terremoto que irá destruir a costa oeste dos Estados Unidos? Acontecerão outros tsunamis ainda mais destruidores? Não há como prever com exatidão.

Além disso, é previsto um estranho alinhamento planetário ou 'alinhamento galáctico' que acontecerá pela primeira vez em 26.000 anos. O trajeto do Sol, naquele momento indicado pelo calendário, cruzará um ponto que, visto da Terra, parece ser o ponto central de nossa galáxia, localizado na Via Láctea, entre o signo de Sagitário e o Signo de Escorpião.

Nenhum astrônomo prevê este alinhamento galáctico especial já que este 'ingresso do Sol em Escorpião' acontece todos os anos, e não tem nenhum interesse para a astronomia. Somente a astrologia se interessa por esses fenômenos. Somente a astrologia faz uma analogia entre um eclipse solar ou lunar e uma eventual catástrofe!

Para os astrônomos, essas analogias não existem e são consideradas superstições dos povos antigos. Lembrem que o próprio Natal, que festeja o nascimento de Jesus, é uma festa ligada às antigas festas pagãs do Ingresso do Sol em Capricórnio. Existem alguns artigos a este respeito já publicados no nosso site em anos passados.

Os próprios Reis Magos, segundo a astrologia, eram astrólogos que buscaram o nascimento de um Rei por causa de um alinhamento planetário entre Júpiter e Saturno! Se eles fossem astrônomos, não iriam encontrar Jesus!

De qualquer maneira, os estudiosos que se debruçam sobre os relatos deixados pelos Maias, deixam claro que não havia nestes escritos nenhuma previsão de que a humanidade se aproximaria de um 'fim de ciclo' neste período de 2012, e é isso que importa neste momento.

Se, astrologicamente, as eras precessionais se sobrepõem umas as outras, e a Era de Peixes está acabando para dar lugar a Era de Aquário, fato interpretado pelos astrólogos como sendo um período de 'fim de ciclo', então, as profecias Maias não seriam diferentes, não acham?

Em 2012, Urano estará iniciando um ciclo de 8 anos no signo de Áries e Netuno estará iniciando um ciclo de 12 anos no signo de Peixes. O Sol estará em conjunção com Plutão nos primeiros graus de Capricórnio. Esses planetas que são considerados pela astrologia 'planetas coletivos', indicam que estaremos enfrentando grandes modificações em todo o planeta: indicados pela natureza de cada planeta e de sua posição no 'pano de fundo' representado pelo signo zodiacal onde eles se encontram.

Do mesmo modo que estamos observando todos os dias uma maior intensidade dos fenômenos metereológicos, o aumento das inundações, (que podem ser atribuídos à conjunção entre Júpiter e Netuno), os tsunamis, os terremotos (oposição Urano/Saturno). O aumento da violência e a ausência de respeito às leis e a desordem social, são simplesmente conseqüências dos atos insensatos praticados por uma sociedade doente e pela irresponsabilidade dos governantes da maioria dos países de nosso planeta. A irresponsabilidade dos seres humanos é a causa de nossas desgraças! O mundo, desde que é mundo, sempre esteve em guerra! Sempre ocorreram catástrofes, pois a Terra, Gaia, esta nave-mãe que nos suporta, como um ser vivo e dinâmico, está dando demonstrações de cansaço e de intolerância! Do mesmo modo que nosso corpo acusa com dores e doenças os excessos de uma vida desregrada, a Terra também está dando seus recados: cabe a nós ouvi-los. E nem dá para 'praticar EFT*' na Terra....

Após essas considerações, repito que eu não creio no Fim do Mundo em 21-12-2012! Provavelmente, ainda estaremos festejando o Santo Natal no ocidente, num mundo melhor, se conseguirmos iniciar a caminhada de realinhamento energético necessário para salvar nosso planeta da destruição. Pior do que uma destruição rápida seria, então, uma deteriorização lenta, agonizante do planeta, não é mesmo?

A meu ver, em 2012, ainda teremos um céu azul sobre nossas cabeças para nos fazer sonhar, um mar azul profundo para mergulhar nosso corpo e nos refrescar, um campo verde para nos dar alimento e refrigério. Tudo depende de nós. Não podemos, portanto, deixar de fazer nossa parte, todos os dias, procurando desenvolver em nós mesmos a RESPONSABILIDADE SOCIAL.

Um povo que depreda os bens públicos, que maltrata suas crianças, que polui seus rios e mares, que exaure suas reservas, que não respeita os mais velhos e que não mantém suas tradições, não tem responsabilidade social!

Vamos acordar e nos dar as mãos: faça sua parte! Amar o planeta é amar a humanidade. Lembre-se das palavras de Jesus: "Ame ao próximo como a ti mesmo", esta é a mensagem da Era de Peixes, neste fim de ciclo.

sábado, 14 de novembro de 2009

Jaimito




Olá, sou o Jaimito. Com certeza tu já me conheces mas, infelizmente, não te lembras de mim porque, apesar de ter falado comigo muitas vezes, nunca prestaste atenção em mim.

Muitas vezes ajudei-te com as compras e outras muitas nem isto deixaste-me fazer, pois meu aspecto dava-te asco ou, pior, tinhas medo de que eu te roubasse.

E talvez até tivesses razão no teu medo. Sim, talvez eu te roubasse mesmo.

Aprendi, quando passei a maior parte dos meus 11 anos nas ruas da Beira, que roubar e mentir são garantias de sobrevivência. E sim, muitas vezes inventei sofrimentos falsos para apelar à tua consciência e ao teu bolso. O que não sabes é que talvez não suportes saber dos meus verdadeiros sofrimentos, que nem eu mesmo quero lembrar.

Prefiro afogá-los em ilusões transportadas pelo álcool que consigo comprar quando tu alivias tua consciência com alguns trocados.

Sei que não queres saber da minha história, mas hoje vais ter de ouvi-la. Pelo menos o que consigo contar...

Decerto fui amado por alguém, pois tenho nome. Ninguém dá nome a outra pessoa sem amá-lo. E este meu nome, no diminutivo, faz-me lembrar algum carinho. Se bem que também não sei direito o que é esse tal de carinho. É uma palavra bonita, que sempre vem junto com outras palavras como “abraço”, “afago”, “preocupação”, “beijo”. Isso, que me lembre, nunca tive. Quem sabe aquela pessoa que me deu o nome quisesse me ensinar o que é tudo isto, mas desconfio que seja a minha mãe e ela já não está mais por aqui.

Não tenho pai ou mãe. Vivi com um tio que dizia que meus pais haviam morrido. Este tio também morreu.

Desde então, apesar de ter algum lugar para ficar, na casa de alguma tia, preferi viver nas ruas. Durmo por aí e sempre consigo algum trocado para abrandar a fome.
A vida nas ruas não é muito fácil. Certa vez, numa brincadeira com meus amigos, fui queimado. Tenho cicatrizes horríveis nos pés, com a pele toda repuxada. Também tenho cicatrizes de cortes no rosto, resultado das agressões que sofri e das que tentei infligir.

Mas as piores cicatrizes estão na minha alma. No hospital, onde já sou velho conhecido, dizem que não tenho jeito. Sou um menino mal, violento, dado a acessos de raiva. Sempre que passo por lá amarram-me na cama e dão-me tranquilizantes. Por um lado é bom, tenho cama e comida por alguns dias, mas como tenho muito medo de tudo, sempre dou um jeito de fugir.

Já estive em um orfanato. Rendeu-me uma das cicatrizes no rosto, uma das grandes, acima do olho. Não conto como foi, só que foi.

Não, não tenham pena de mim! Não é por isso que conto esta história. Agora, neste preciso momento, não preciso de pena.

Estou internado na psiquiatria do Hospital Central, com cuidados. Precisarei da pena de vocês quando voltar às ruas. Precisarei que sintam pena de mim para darem-me os trocados de sempre.

Como vim parar ao hospital novamente? Conto já...

Consegui um dinheirinho, mas não conto como. Decida-se pela resposta mais lógica... alguém com a consciência muito pesada mesmo deu-me quinhentos meticais ou, talvez, eu tenha roubado de alguém sem consciência.

Outros que também andam pela rua souberam disso e tentaram tirar-me o dinheiro. Espancaram-me. Eu, como estava bêbado, não consegui reagir muito bem e desmaiei. Fiquei sem o dinheiro e todo machucado. Alguém que passava trouxe-me ao hospital e aqui estou.

Como sou homem, forte, não tive grandes lesões. Como dizia antes, as maiores cicatrizes estão na minha alma.

Uma senhora que eu costumo ajudar com as compras, tendo a consciência pesada, veio ajudar-me. Ficou comigo durante algum tempo e eu, penso que pela primeira vez em muito tempo, senti-me protegido. Segurou a minha mão enquanto eu tirava raio-x. E eu deixei-me chorar. Aquela sensação de proteção foi tão estranha que não sabia se gostava ou não. Mas chorei, apesar de saber que gente como eu não tem o direito de chorar.

Acho que estava assustado. Com o raio-x e com a proteção. Ela disse que iria ajudar-me. Saiu e voltou com um sumo, mas a enfermeira-chefe, já minha amiga e uma das minhas mães, uma alma iluminada, deu-me coisa melhor... Deu-me o seu almoço! Arroz de tomate e galinha. Sim, aqui no hospital há gente muito boa mesmo! Aproveitei para ser criança um pouquinho – lembram-se? Tenho onze anos! – e pedi àquela senhora da consciência pesada uma bicicleta.

Na verdade, queria ser como as outras crianças que vejo por aí. Ir à escola, brincar com os amigos, andar de bicicleta. Mas não tenho casa onde guardar a bicicleta, não tenho pais que me protejam quando eu estiver a andar de bicicleta e alguém quiser roubá-la. Acho que não posso mesmo ter uma bicicleta.

Do que eu preciso, tu deves estar te perguntando...

Eu acho que só preciso que continues com a tua consciência pesada e me dês os trocados de sempre.

Mas Deus sabe que eu preciso de amor, carinho e tratamentos. Tenho problemas psicológicos, sim. Às vezes sou agressivo, tenho acessos de raiva. Mas são as cicatrizes da minha alma que ardem e preciso fazer com que a dor desapareça.

Deus sabe que eu só preciso ser criança, com todos os direitos que cada criança tem.

Ah! Só para lembrar!!! Como eu, existem milhares por aí. Mas isso tu já sabes e te apavoras e dizes “Meu Deus!” cada vez que sabes de alguma barbaridade que aconteceu conosco. Abres a carteira, alivias tua consciência e segues em frente.

Nós, os Jaimitos da rua, continuamos aqui. Talvez seja uma maneira de Deus lembrar-te que a vida não é tão simples quanto pensas.

Agora despeço-me. Sem beijos nem abraços, porque, tenho certeza, não gostarias de me abraçar ou beijar.

Adeus, logo nos veremos, assim que eu sair do hospital e voltar para as ruas.

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Obs.: Esta foto não é do Jaimito, encontrei no Google, mas nem precisava... para conhecer o Jaimito, é só olhar para qualquer criança de rua que encontrares...

domingo, 1 de novembro de 2009

Pensamento do dia





"O melhor modo de vingar-se de um inimigo,
é não se assemelhar a ele"

(Marco Aurélio)

Voltando à adolescência

* Perdoem-me os leitores acostumados a textos mais maduros, mas ontem assisti ao filme Twilight (Crepúsculo, em português) e não resisti à uma viagem no tempo...

Qual a adolescente que não quer um romance como este??? Pelo menos qual adolescente da minha geração...

Viajem comigo, ok?






Eduardo

Meu nome é irrelevante, pois ninguém me chama. Tenho 17 anos e acabo de chegar a uma cidadezinha encravada nas montanhas, onde o sol raramente aparece a rasgar a intensa neblina que cobre o lugar.

Estou perdida, assustada, despreparada para esta mudança. As pessoas são simpáticas, tentam receber-me bem, mas quando saio à rua sinto mil olhos a analisar-me, a tentar perceber-me. Sinto-me um objeto numa vitrine ou, pior, uma peça de leilão.

A escola é uma tortura. Não consigo acompanhar as conversas nos intervalos, não sei do que falam, sorrio para concordar e não deixar transparecer o tamanho da minha inadequação naquele espaço. Falam sobre festas, dias ensolarados em lugares distantes, ouvem músicas que ferem meus ouvidos até a alma, riem alto de motivos sem graça.

Passo meus dias a remoer lembranças de uma vida que não conheci. Sonho acordada com lugares que nunca vi. Sinto coisas que não consigo explicar. Escondo-me do mundo e dos seus olhos, os fones de ouvido e os livros são o meu refúgio.

Nada me interessa neste lugar. Não há nada que me chame a atenção por aqui.

Até aquele dia.


Foi mais um dia de tortura na escola. Estava sentada a fingir ouvir as conversas, de vez em quando anuía com a cabeça e sorria para parecer interessada, quando senti este frio percorrer-me a espinha, uma brisa gelada que parecia levantar minha pele e penetrar na minha alma. Uma força inexplicável fez-me virar para trás, em direção à porta.

Neste momento, fez-se um silêncio profundo. Tudo o que estava ao meu redor desapareceu. Via somente aqueles olhos felinos que olhavam diretamente para mim, para dentro de mim. Sua pele terrivelmente branca iluminava a cafeteria e seus lábios, de um vermelho vivo perturbador, pareciam beijar-me à distância.

Fiquei paralisada não sei durante quanto tempo, congelada naquele momento mágico e assustador.

De repente, como se aperta o botão “play” do controle remoto após uma pausa em um filme, o tempo voltou a correr, aquela criatura mágica desviou o seu olhar do meu e foi para o fundo da sala, sentar-se a uma mesa atrás de mim.

O barulho ensurdecedor do intervalo das aulas na cafeteria voltou. Tentei voltar também à minha tarefa de fazer-me parecer interessada na conversa, mas já não pude. Sentia aqueles olhos cravados na minha nuca, sentia aquele vento frio dentro de mim.
Elda, uma das poucas pessoas que eu conseguia entender e acompanhar, reparou na minha perturbação e sentenciou:

- Ele chama-se Eduardo. Mas não adianta sonhares. A sua beleza é proporcional ao mistério em torno dele. Ninguém sabe nada a seu respeito, nunca conversou com ninguém, ninguém nunca ouviu sequer sua voz. Todos chamam-no “O Estranho”.

Naquela noite, sonhei com Eduardo. Mas não foi um sonho qualquer. Foi um sonho real e fantástico ao mesmo tempo. Estávamos acima das montanhas, em outro momento, estávamos no fundo do oceano e, por fim, ele estava em meu quarto, parado em frente à minha cama, fitando-me com seus olhos brilhantes. Pisquei e ele desapareceu, deixando somente aquele vento gelado dentro de mim.


Na manhã seguinte resolvi não pensar mais no assunto. Aquela noite havia sido o resultado da advertência de Elda, combinada com minha fértil imaginação e necessidade de novidades naquela vida tão sem graça. Decidi não pensar mais em Eduardo, esquecer a sua existência (ou não existência, segundo Elda).

Mas o desejo da mente nem sempre vai de encontro ao desejo da alma. Procurei-o a manhã toda. Em cada lugar que entrava, sentia seus olhos a fitarem-me a nuca. Corria os olhos por todos os cantos e não o via.

Dias passaram-se e eu já estava a começar a acostumar-me com a ideia da sua inexistência. Talvez tudo aquilo fosse uma forte alucinação criada pelo tédio da cidade pacata. Foi quando Eduardo apareceu novamente.

Estava a ler, deitada na minha cama, quando senti sua presença. Levantei os olhos do livro e ele estava ali, em pé, em frente à minha cama, como eu havia sonhado na primeira noite. Pensei estar sonhando novamente, talvez um terrível pesadelo do qual não conseguisse acordar.

Meu coração batia aceleradamente, meus olhos não conseguiam desviar o olhar de Eduardo. Ainda assim não conseguia definir de que cor eram os seus olhos. Seu brilho era tão intenso que pareciam dourados. Meu corpo todo estava gelado, eu paralisada. Foi quando, num piscar de olhos, ele venceu a distância entre nós e aproximou sua boca vermelho vivo da minha. Fechei os olhos à espera do beijo, como num transe e, quando os abri, estávamos no ar, sobrevoando montanhas, desertos, oceanos.

Ele contou-me da sua dor, da sua sede pela vida que não podia ter. Falou-me de outros tempos, de civilizações inteiras aniquiladas pela ignorância humana, de vidas ceifadas em pontas de lanças e fogueiras. Segredou-me sua natureza e seu anseio pela humanidade.

Eu não podia entender como sentimentos tão humanos habitavam um coração sem calor. Sei que deveria ter sentido medo, mas paradoxalmente só me sentia segura em seus braços.

Senti em seu hálito frio o calor de um amor puro, profundo, arrebatador, eterno. Senti-me viva ao desejar a morte doce.

Meu nome, agora, de irrelevante passou a nenhum. Só o chamado de Eduardo me importa. E ele não precisa chamar meu nome. Porque somos um, eternamente.

sábado, 31 de outubro de 2009

Maldito el día


Se incendió el núcleo porque el malestar

de los giros del mundo

es tan doloroso como una ventana podrida

que alguien quiso masticar.

Se incendió el núcleo y la ciudad vociferó

obscenidades sin arte ni gracia…


Maldito el día que el unicornio soltó el aguijón

y deseó contratar un fémur

para partírselo en los dientes al hijo ingrato

del padre sol y la madre luna.


Maldito el día que estuve en fase obtusa,

con ojos de lloros

y síndrome de incendio permanente,

costoso, húmedo y permanente.

Alexander Vórtice
* Esta sou eu, hoje...

Pensamento do dia (hoje com um *)


"Não há talvez dias da nossa infância que tenhamos tão intensamente vivido como aqueles que julgamos passar sem tê-los vivido, aqueles que passamos com um livro preferido."

(Marcel Proust in O Prazer da Leitura)

* Isto me lembra a pilha de livros que comprei nos últimos meses e que estão à minha espera... Já li o primeiro capítulo de todos...


Ausência


Amigos!!!

Desculpem pela minha ausência... na verdade, não estive só ausente do Devezenquandário, estive ausente de mim.

Forças maiores impediram-me de pensar, de viver. Resumindo, deixei que o trabalho tomasse conta de todos os milissegundos do meu dia.

Foi importante esta dedicação exclusiva ao trabalho. Era o início de um grande projeto que, enfim, está dando frutos.

Já posso voltar à vida.

Sem mais ausências.

Ainda bem que podemos sempre voltar, não acham???

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Amicíssima, I'm back

Amicíssima...

Sim, estou viva, estou aqui.

Não perdi a memória nem meu grande carinho por ti. Perdi foi a noção do tempo. Não me dei conta de que “amanhã” pode ser uma eternidade. E, pior, deixei as coisas da vida comum tomarem conta de mim.

Mea culpa, amicíssima...

Mas redimo-me agora. Conto-te tudo.

Aquele embriãozinho está virando gente grande. Já fala, anda, corre e tem vontades. Que coisa, imaginar que há tão pouco tempo era microscópico! Os segundos que me têm sobrado são para ele, sempre. E é a melhor parte do meu dia.

O anel no dedo continua e penso que ainda vai ficar até amanhã (lembra? acima?). Descobri que afinal as coisas podem durar muitos amanhãs. E que são boas, as coisas que duram bastante.

Por outro lado, também descobri que nem sempre os nossos desejos são o que realmente queremos. Alguém já disse que temos de tomar cuidado com o que desejamos. Pois é... eu, que queria tanto ocupar-me, agora quero fazer nada e não consigo.

Mas estou aqui. Troquei o msn, tenho um skype novo e um e-mail diferente. Mas estou aqui, viu?

Cheia de saudades. Milhões de fofocas para contar. Mas isso é em PVT!!!

Ósculos!!!

A.

sábado, 6 de junho de 2009

Plano Cósmico - El Morya Khan


Não pode haver mero acaso num Universo onde tudo é Ordem e Ritmo, até nas fases aparentemente caóticas da Manifestação.


A velha civilização esgotou suas energias nas disputas pessoais, revoluções, guerras, doenças, fome.

Poderá ser perguntado: nós fazemos terremotos?

Tenhamos pois presente que os mesmos ventos que produzem tufões movem moinhos; as mesmas águas que causam inundações acionam as turbinas hidroelétricas…

A manada que ao estourar espalha a destruição é a mesma que serve à lavoura.

A diferença, em cada caso, é a existência ou não, de uma Vontade e de uma Direção, ou Comando.

O direcionamento dos propósitos da humanidade é cooperação e não competição; paz e não guerra; amor e não ódio; a vontade dirigida para o bem geral e não para o bem pessoal e egoísta…

É o que abrirá caminho para a solução do problema das relações humanas, talvez o mais grave, atualmente, e também, se resolvido, o mais promissor, na sociedade atual.

A Terra é para ser salva por mãos terrenas, e as Forças Celestiais estão enviando o melhor maná; mas se não for colhido, ele é transformado em orvalho.

Por isso, sem permitir que as mentes sejam invadidas pelo pânico ou desânimo, procura-se explicar as razões das dificuldades mundiais da atualidade, resultantes desta fase de grande transição entre duas civilizações (e as que ficaram pendentes no camiho), que resulta da entrada do sistema solar na Era de Aquário, saindo do signo de Peixes.

As novas energias que assim começam a atuar sobre o planeta fazem com que todas as instituições humanas que limitem a Liberdade, a expressão da consciência e o progresso evolutivo da humanidade desmoronem.

Através do uso ordenado da Vontade é possível atrair energias mais elevadas e pô-las a serviço da humanidade.

Também é um dever ajudar os que estejam em nível inferior a se elevarem ao nível de consciência que outros já tenham alcançado.

O trabalho em si propõe a cada discípulo um “ritual” de disciplina voluntária e individual; a obediência à Lei do Ritmo; a persistência no esforço ordenado e constante; a aspiração aos Caminhos Superiores.

A Lei do Ritmo é uma Lei Cósmica tanto na pulsação cardíaca como no movimento respiratório; tanto na sucessão dos dias e das noites, quanto no movimento das marés; desde o nascimento até o fim da manifestação de um astro; em tudo, observa-se ordem, disciplina, sequência, períodos de atividade e repouso.

Assim é o Ritmo Cósmico. Paz é a coroa da cooperação. Esta função leva ao entendimento e unificação.

Cada agente unificador está sujeito ao perigo pessoal.

Cada pacificador é difamado.

Cada trabalhador é ridicularizado.

Cada construtor é chamado de louco.

Assim, os servos da dissolução tentam afastar da face da Terra a Bandeira da Iluminação.

O companheirismo sincero pode curar facilmente as feridas de um amigo, mas é necessário desenvolver a arte de pensar em nome de Deus.

A trajetória da humanidade não se faz ao acaso: há um Plano Cósmico do qual todos nós participamos.

Da cooperação e da Boa Vontade de homens e mulheres chamados “Servidores do Mundo” depende o sucesso desse Plano.

Os líderes desses grupos são conhecidos por suas qualidades construtivas e inclusivas.

Modelam a opinião pública, tendo por traz desses líderes e cooperadores os”Guardiães do Plano”, a Sociedade dos Mestres Iluminados, Mestres da Sabedoria que compõem o “Governo Espiritual do Planeta”.

Alguns trabalhos dos Mestres consistem em treinar alunos e discípulos para serem utilizados em grandes eventos, como a vinda do Instrutor do Mundo e outros, para que possam ser úteis no estabelecimento das novas raças e reconstruçao das presentes condições mundiais.

A Hierarquia Espiritual está procurando exteriorizar-se e restaurar os mistérios para a humanidade, a quem eles verdadeiramente pertencem.

Para que a tentativa seja bem sucedida, é bastante que todos que perceberam a visão do Plano traçado voltem a se dedicar ao serviço da humanidade, empenhando-se no trabalho de ajudar até o limite de sua capacidade (meditem sobre estas palavras e descubram o seu significado).

A necessidade e a oportunidade são grandes e todos os possíveis ajudantes estão sendo chamados para a frente de batalha.

Nas meditações dos períodos lunares, de Lua Nova para Lua Cheia, é hora de intensificar, absorver e acrescentar.

Da Lua Cheia para a Lua Nova é tempo de assimilar e distribuir maior progresso real sobre um longo período que pode ser alcançado pela observação desta Lei Cíclica.

De que outra maneira pode-se tornar o apóstolo da Ética Viva, se não se puder provar, de maneira pessoal, dos bens e da generosidade do Ensinamento, se os que seguem não o aplicarem em sua vida diária?

Os que praticam o Ensinamento da Vida não agirão corretamente se cederem à depressão, desânimo e se se deixarem invadir pela dúvida.

Eles vivem para o futuro e trabalham para a realização do infinito, e sabem que nenhuma tentativa, sem nenhum esforço rítmico e contínuo, ficou sem resultado.

Dá-se conta, de fato, que somente seu desejo de fazer o bem, e seus esforços consagrados a cada tarefa, são a base de todas as realizações.

Trabalhai pela unificação dos colaboradores!

Uma promessa nos é feita: unidade, coragem e realização.

É com estas qualidades do Fogo que o Mundo Novo se edifica e que o direito de entrar na
Fortaleza do Grande Conhecimento se conquista!

Um olhar intrépido se elevará até o Sol da Hierarquia.

Portanto, não seria prudente lançar um barco à água sem leme. Mas o Piloto é predestinado e a criação do coração não se precipita no abismo.

Como marcos numa estrada luminosa, os Irmãos da Humanidade, sempre vigilantes, montam guarda, prontos para conduzir o viajante na cadeia da ascensão.

Perguntarão: “por que primeiro INFINITO, depois HIERARQUIA e somente então CORAÇÃO?”

Vem primeiro a direção, depois as correspondências, depois os meios.

Não se deve deixar a dúvida destruir esta ajuda sagrada.

Ela é destrutiva da qualidade e túmulo do coração.

Nada podemos fazer sem a qualidade.

Nada podemos compreender sem o coração.

Não existe nenhum resultado sem a beleza de uma Vontade amorosa ou de um Amor consciente!

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Picadas nos Açores

Amigos do Devezenquandário...

Sei que andamos fora do ar nestes últimos tempos, tenho tido muito trabalho e pouco tempo para o blogue, e peço desculpas por isso.

Mesmo assim, gostaria de pedir a ajuda de todos vocês para impedir um absurdo que está prestes a acontecer nos Açores.

As touradas são proibidas em Portugal, mas os Açores adquiriram agora um estatuto político independente de Portugal continental, o que lhes dá autonomia na criação de leis. Assim, os deputados do parlamento açoriano estão tentando aprovar uma lei que legalizará uma modalidade extremamente cruel de tourada, a chamada "picada", em que o toureiro fica em cima do cavalo (este protegido por uma espécie de armadura) e pica covardemente o touro com uma lança, que fica sem possibilidade nenhuma de defesa.

Eu sou contra qualquer tourada, qualquer tipo de violência contra os animais, mas esta tourada é especialmente cruel.

Assistam ao vídeo (se tiverem estômago, pois eu tive de fechar os olhos enquanto passava a notícia na televisão):


Por favor, ajudem a protestar, ajudem a impedir esta barbárie!

A humanidade tem de evoluir, não regredir! A violência contra os animais tem a ver com um instinto primitivo, retrógrado, atrasado (para ser bem redundante mesmo!).

Dêem ideias, organizem protestos, vamos fazer alguma coisa!

Conto com vocês!

Beijos, Aline

segunda-feira, 16 de março de 2009

Clube do Bolinha - Menina não entra


Por Aline Machado

Antes de começarem a ler este texto, uma advertência: não sou feminista. Pelo contrário, sou até machista em alguns aspectos. Para mim, homem, para ser homem, tem que abrir a porta do carro, puxar a cadeira no restaurante e pagar a conta.

Brincadeiras à parte, não sou feminista nem machista. Penso que homem e mulher têm suas diferenças. Físicas, intelectuais, comportamentais, afetivas… A mulher, apesar de toda sua emancipação, sempre aparecerá (ou parecerá) ao homem uma figura frágil (apesar de, em muitos aspectos, ser tão ou mais forte do que o homem) e o homem sempre será a figura paterna, protetora. E isto é algo instintivo, talvez tenha até a ver com a nossa necessidade de procriação, de manutenção da espécie. O frágil inspira ternura, cuidados, carinho, todos fatores necessários para a boa condução de uma gravidez.

A despeito de todas estas diferenças, sou a favor da igualdade sexual na sociedade. Esta sociedade abrange, realmente, tudo o que é social: trabalho, diversão, política, participação em clubes, etc.

Muitos dirão: “ah, eu também sou a favor da igualdade sexual”! Sim… claro! Esta ideia de igualdade é hipocritamente aceita. Posso dizer, por experiência e constatação próprias, que os homens não são assim tão a favor da igualdade. E, infelizmente, muitas mulheres também não. Ainda há preconceitos arraigados no nosso senso comum que não conseguimos ultrapassar. Para exemplificar: quantos de vocês, leitores (a nossa própria língua é machista pois, quando queremos designar um conjunto de seres masculinos e femininos com um só plural, fazemo-lo, obrigatoriamente, no masculino) achariam realmente normalíssimo um casal em que o homem cuidasse da casa e a mulher o sustentasse? Dirão que já há muitos casais assim. Ok. Quantos de vocês vivem uma relação assim? Voltando à primeira pergunta (quantos achariam normalíssimo…) … não respondam ainda! Esperem pelo final do texto, façam um exame de consciência. E, claro, não respondam em voz alta, fiquem com a resposta somente para vocês.

Voltando ao assunto da sociedade. Sabiam que as primeiras sociedades foram matriarcais? Acredita-se que essas sociedades teriam existido na Ásia e na Europa, pelo menos desde o ano 35.000 a.C. Eram sociedades que desconheciam a guerra e a violência sistemática, que não possuíam classes nem estrutura rígida de poder, que não oprimiam mulheres nem homens e que celebravam a vida a ponto de adorar a natureza como expressão de um ser divino.

Um lindo paradigma, não é? Até parece aquilo que sonhamos para o nosso futuro! Mas isso tudo acabou a partir de 4.000 a.C., quando invasores introduziram o machismo, a cultura da guerra e a sociedade patriarcal.

E este é o mundo em que vivemos hoje, machista, belicoso, materialista. O que teria acontecido se as sociedades matriarcais tivessem resistido? Nem o maior historiador do mundo poderia responder a esta pergunta, mas arrisco-me a pensar que, talvez, tivéssemos um mundo mais justo.

A prova da existência destas antigas sociedades é que, ainda hoje, no século XXI, existem algumas. Eu tenho notícia de duas. Uma no nordeste da Índia, num lugar chamado Meghalaya, e outra na China, no povoado de Mosuo, às margens do Lago Lugu.

No primeiro caso, o indiano, a sociedade não é propriamente matriarcal, mas matrilinear. Quer dizer que a sucessão é de mãe para filha e não de pai para filho, como acontece na nossa cultura, e as mulheres não dominam os homens. O homem é defensor da mulher, mas a mulher é a guardiã da sua riqueza. Nesta sociedade acontece um fato fantástico em relação ao idioma. Na sua língua nativa (falada juntamente com o inglês), os nomes das coisas inanimadas são do gênero masculino até se tornarem úteis. Assim, madeira é masculino, mas tábua é feminino (as feministas de plantão adorariam este fato!).

Já na China, os mosuos têm uma sociedade realmente matriarcal. Lá, quem manda é a mulher. Os homens estão limitados aos trabalhos domésticos e à criação dos filhos. Mais radicalmente: não há a figura do marido nem do pai. Os filhos pertencem obrigatoriamente à mãe, que se responsabiliza também pela educação deles. É ao irmão da mãe que cabe a responsabilidade de educar os filhos (homens) desta, que lhes transmite princípios de moral e ética.

Em todas as famílias, a mulher é que tem o mando tanto da administração da casa como da produção e distribuição da riqueza. Os homens que moram com os pais também são submetidos à chefia da mãe ou da avó.

Resumindo: os mosuos têm uma sociedade oposta à sociedade patriarcal, radicalizada. Ou deveria dizer “as mosuos”?

Também há o mito (?) das amazonas sul-americanas (receberam o nome das outras míticas amazonas gregas), guerreiras que conseguiram expulsar os invasores espanhóis das suas terras, na América do Sul.

Poderia escrever páginas e páginas sobre as sociedades matriarcais. Há, na história da humanidade, incontáveis exemplos. Mas não é este o meu objetivo hoje.

Hoje quero levantar um manifesto a favor da verdadeira igualdade entre os sexos. Uma igualdade que respeite a diferença – que, sim, há, incontestavelmente –, que não impeça mulheres nem homens de ocuparem lugares na sociedade, que seja justa.

Convoco, então, todos os leitores e leitoras para uma campanha a favor da verdadeira igualdade. Sem hipocrisia, sem falsos moralismos, sem falsidade.

Muitos setores da sociedade já estão dando-se conta de que a participação feminina é essencial para o funcionamento de suas instituições. Antigos clubes fechados, como, por exemplo, o Rotary Clube, já estão abrindo suas portas à cooperação das mulheres. Mostram, assim, estarem situados no novo mundo em que vivemos, um mundo que não permite mais preconceitos.

Homem e mulher complementam-se em todos os sentidos. Nenhum é maior nem mais competente do que o outro. A objetividade do homem é completada pela sensibilidade da mulher. Sempre foi assim, sempre será, por mais que muitos gritem contra.

Quem não concordar, leia um livro de História da Humanidade. Pesquise. Vamos, finalmente, fundar uma sociedade que não seja nem matriarcal nem patriarcal, mas uma sociedade do futuro, da igualdade.

Alinham???

P.S. Agora, podem responder àquela pergunta que fiz uns parágrafos atrás. Quem, realmente, não tem nenhum preconceito?

Homens contranatura

Imagem: Adão e Eva após Gustave Klimt - Paulo Ghiraldelli Jr.

por Nuno Nodin


Bem-vindos ao ano de 5769. Na semana passada o calendário judaico marcou a entrada neste novo ano que celebra mais um aniversário sobre a criação do Homem, ao Sexto Dia.

Judeus e cristãos modernos conceberão a ideia de Adão e sua costela feminina como uma bonita e alegórica história da inspiração divina do homem. Porém, muitos outros ainda acreditam que há quase seis milénios Deus, quase pronto para um bom descanso, terá tido a brilhante ideia de criar uma criatura mais ou menos à sua imagem.

As religiões sempre cumpriram uma importante função, nomeadamente a de fornecer explicações simplificadas do mundo. Porém, ao fazê-lo, regra geral excluíram outras alternativas. O conceito da criação divina do mundo deixou como legado a ideia de que existe uma certa ordem natural das coisas. Que a realidade é como é porque Deus quer. Usando essa mesma lógica, há quem alegue que certas coisas são contranatura.

A homossexualidade tem sido uma dessas coisas. Um dos argumentos sempre utilizados para remetê-la para o domínio do anormal, do patológico ou do moralmente repreensível, é essa ideia de que os homens foram naturalmente feitos para se relacionarem com mulheres e vice-versa. Que dois homens ou duas mulheres juntos num relacionamento são uma aberração aos olhos de uma qualquer divindade.

O problema com essa argumentação é que o Homem é das coisas menos naturais à face da terra. Para serem mesmo naturais, os homens nunca deviam fazer a barba e as mulheres deveriam deixar os pêlos das suas pernas crescer descontroladamente. Deveríamos andar a pé e não de carro e de preferência descalços, pois isso seria a coisa mais natural a fazer.

Na natureza, por seu lado, encontramos pinguins gay na Nova Zelândia, macacos sexualmente polimorfos no Congo e golfinhos bissexuais por esses oceanos fora.

Alguns desses animais contranaturais estabelecem relações monogâmicas por toda uma vida, muito ao contrário da maioria dos humanos. Em que pé é que isso deixa o casamento como natural ou antinatura?

Até muito recentemente na história da humanidade, o casamento como a união da vontade de duas pessoas não existia. Existiu sim durante muito tempo como a união de quatro vontades, as dos pais dos noivos, não tendo os próprios qualquer voto na matéria. Por isso, não deixa de ser irónico agora que, quando dois homens ou duas mulheres se querem casar, a sociedade não os deixe, muitas vezes por considerar os seus desejos contrários à tal ordem natural das coisas. Porém, desde a trincadela da maçã primordial que o Homem não deixou de contrariar essa ordem. Argumentar que casamentos homossexuais não são aceitáveis é tão bacoco quanto defender que não devíamos usar telemóveis. Afinal, vivemos numa sociedade laica, certo?


in Revista Pública, 12/10/08, p. 61

Voltando das férias

Amigos, estou de volta! Acabaram-se as férias e agora trabalho, muito trabalho!

Com o tempo - que anda escassíssimo nos últimos dias - vou contando tudo, mostrando tudo. Fotos de Coimbra (maravilhosa), de Valença... mas isso é para depois.

Para já, vou dividir com vocês um texto que achei fantástico. Encontrei-o numa revista do ano passado, em uma sala de esperas qualquer.

Vale a pena ler. Vejam na próximao postagem, ok?

Quanto à prometida entrevista do Mia Couto, não esqueci! Preciso de um tempinho para elaborá-la, mas logo, logo estará estampada aqui no Devezenquandário.

Então, continuem acompanhando o nosso blogue e beijos para todos!

Aline