sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Poesia datada

Nas aulas de Introdução à Literatura, meus professores sempre falavam de «obras datadas», aquelas que eram escritas em uma determinada época e para aquela determinada época. Eram excelentes e provocavam furor ou expressões de apreço, mas somente naquela época. Passados alguns anos, já não cabiam mais nem no entendimento nem na apreciação do público.
Bem... esta semana me deparei com um poema datado. E datado duas vezes, porque refere-se a uma determinada época e, como parece ser costume aqui em Moçambique, com a data embaixo. O poeta chama-se Craveirinha, que, para quem não sabe, é considerado o maior poeta moçambicano. Craveirinha escreveu sobre um assunto muito popular em 1982, e colocou a data embaixo do poema: 10.8.1982 - estará fazendo exatos 24 anos daqui a uns dias...
Quando escrito, este poema poderia ser chamado pelos «especialistas» de «poema datado». Vejam por quê:

TERRA DE CANAÃ

Não, piloto israelita.
Inútil procurares nos incêndios de Beirute
e nos inocentes corpos mutilados pelos estilhaços ardentes
as belas palavras do Cântico dos Cânticos.

E voa mais baixo.
Desce velozmente mais baixo no teu caça-bombardeiro.
Voa mais baixo. Desce ainda mais baixo piloto hebreu.
Desce até Eichman. Voa até ao fundo dos ascos.
Acelera até os motores e as bombas de fósforo
contigo oscularem sofregadamente o chão sagrado.

Foi para este holocausto que sobreviveste
ao teu genocídio nos tempos da Nazilândia?
Achas que é esta a tua ambicionada Terra de Canaã?
Tu achas que assim ganhas a paz na Terra Prometida?

10.8.1982

Datado, não é? Engraçado como parece que foi escrito semana passada, aliás, poderia mesmo! A atualidade é incrível! Isso prova duas coisas:

1) A História é cíclica - sempre acaba acontecendo de novo...
2) A arte NUNCA é datada.

Aí lembrei do meu velho amigo Mário Quintana, que por estes dias anda muito popular nas televisões e jornais, porque estaria completando um século...

Ele dizia...

Poema
Mas por que datar um poema? Os poetas que põem datas nos seus poemas me lembram essas galinhas que carimbam os ovos...

Não que esteja comparando Craveirinha a uma galinha, muito pelo contrário! Só que, se ele soubesse, talvez não tivesse deixado a data embaixo de todos os seus poemas...