domingo, 22 de abril de 2007

Mia Couto

O escritor moçambicano Mia Couto recebeu esta semana mais um prêmio. Foi agraciado com o Prêmio 2007 da União Latina de Literaturas Românticas.


Sua prosa é pura poesia, fato que ele mesmo reconhece quando diz que sua relação com as palavras tem a ver com a busca de uma certa música e que a poesia é um modo diverso de explicar o mundo. Diversidade é presença constante nos seus escritos - diversidade que o acompanha desde os tempos de infância.


A seguir, um texto onde ele brinca com a tão diversa Língua Portuguesa:



Perguntas à língua portuguesa


Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique. Que outros pretendam cavalgar o assunto para fins de cadeira e poleiro pouco me acarreta.

A língua que eu quero é essa que perde função e se torna carícia. O que me apronta é o simples gosto da palavra, o mesmo que a asa sente aquando o vôo. Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem, é idimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como a escrita e o mundo mutuamente se desobedecem.

Meu anjo da guarda, felizmente, nunca me guardou.

Uns nos acalentam: que nós estamos a sustentar maiores territórios da lusofonia. Nós estamos simplesmente ocupados a sermos. Outros nos acusam: nós estamos a desgastar a língua. Nos falta domínio, carecemos de técnica.

Ora qual é a nossa elegância? Nenhuma, excepto a de irmos ajeitando o pé a um novo chão. Ou estaremos convidando o chão ao molde do pé? Questões que dariam para muita conferência, papelosas comunicações. Mas nós, aqui na mais meridional esquina do Sul, estamos exercendo é a ciência de sobreviver. Nós estamos deitando molho sobre pouca farinha a ver se o milagre dos pães se repete na periferia do mundo, neste sulburbio.

No entanto, defendemos o direito de não saber, o gosto de saborear ignorâncias. Entretanto, vamos criando uma língua apta para o futuro, veloz como a palmeira, que dança todas as brisas sem deslocar seu chão. Língua artesanal, plástica, fugidia a gramáticas.

Esta obra de reinvenção não é operação exclusiva dos escritores e linguistas. Recriamos a língua na medida em que somos capazes de produzir um pensamento novo, um pensamento nosso. O idioma, afinal, o que é senão o ovo das galinhas de ouro?

Estamos, sim, amando o indomesticável, aderindo ao invisível, procurando os outros tempos deste tempo. Precisamos, sim, de senso incomum. Pois, das leis da língua, alguém sabe as certezas delas? Ponho as minhas irreticências. Veja-se, num sumário exemplo, perguntas que se podem colocar à língua:

Se pode dizer de um careca que tenha couro cabeludo?

No caso de alguém dormir com homem de raça branca é então que se aplica a expressão: passar a noite em branco?

A diferença ente um ás no volante ou um asno volante é apenas de ordem fonética?

O mato desconhecido é que é o anonimato?

O pequeno viaduto é um abreviaduto?

Como é que o mecânico faz amor? Mecanicamente?

Quem vive numa encruzilhada é um encruzilheu?

Se diz do brado de bicho que não dispõe de vértebras: o invertebrado?

Tristeza do boi vem dele não se lembrar que bicho foi na última reencarnação. Pois se ele, em anterior vida, beneficiou de chifre o que está ocorrendo não é uma reencornação?

O elefante que nunca viu o mar, sempre vivendo no rio: devia ter marfim ou riofim?

Onde se esgotou a água se deve dizer: «aquabou»?

Não tendo sucedido em Maio mas em Março o que ele teve foi um desmaio ou um desmarço?

Quando a paisagem é de admirar constrói-se um admiradouro?

Mulher desdentada pode usar fio dental?

A cascaval a quem saiu a casca fica só uma vel?

As reservas de dinheiro são sempre finas. Será daí que vem o nome: «finanças»?

Um tufão pequeno: tufinho?

O cavalo duplamente linchado é aquele que relincha?

Em águas doces alguém se pode salpicar?

Adulto pratica adultério. E um menor: será que pratica minoritério?

Um viciado no jogo de bilhar pode contrair bilharziose?

Um gordo, tipo barril, é um barrilgudo?

Borboleta que insiste em ser ninfa: é a tal ninfomaníaca?

Brincadeiras, brincriações. E é coisa que não se termina. Lembro a camponesa da Zambézia. Eu falo português corta-mato, dizia. Sim, isso que ela fazia é, afinal, trabalho de todos nós. Colocamos essoutro português - o nosso português - na travessia dos matos, fizemos que ele se descalçasse pelos atalhos da savana.

Nesse caminho lhe fomos somando colorações. Devolvemos cores que dela haviam sido desbotadas - o racionalismo trabalha que nem lixívia*. Urge ainda adicionar-lhe músicas e enfeites, somar-lhe o volume da superstição e a graça da dança. É urgente recuperar brilhos antigos. Devolver a estrela ao planeta dormente.


*lixívia = alvejante

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Conselhos de Clarice...

Conselhos de Clarice Lispector para as mulheres...


Sobre a moda: «Mulher inteligente não é escrava dos caprichos dos costureiros, cabeleireiros ou fabricantes de cosméticos. Andem na moda, claro! Adotem penteados, pinturas, adereços modernos! Mas modernizem a sua mentalidade! Lembrem-se de que o que fica bem a uma Elizabeth Taylor, miúda, frágil, beleza de boneca, ficaria ridículo em Sophia Loren e vice-versa. No entanto, ambas são lindíssimas


Sobre os vestidos: «Um dos melhores modos de usar bem um vestido é, depois de vestir-se, esquecer-se dele


Sobre a sedução: «O sex appeal interessa por pouco tempo, é fogo de palha. Mas a sedução prende. É coisa mágica: envolve mesmo que não se entenda de que modo. Talvez você não seja bonita. Não tem importância. Você pode ser irresistível. Depende de você, em grande parte. Essa é a primeira aulinha. Talvez você pense que não aprendeu nada de positivo. Mas aprendeu, sim. Aprendeu que ser amada não depende da beleza


Sobre os defeitos: «Ser sedutora não consiste em não ter defeitos, mas dosá-los ... Cuidado com a dose!»