sábado, 7 de setembro de 2013

Levo Só Poemas (Síria, EUA e dores pessoais)



Esta semana fui “futricar” as pobres prateleiras de uma das duas únicas livrarias da cidade. Entre alguns livros que já li e outros que não me interessam, encontrei um pequeno livro de poemas, de um autor moçambicano que nunca havia ouvido falar. Abri e resolvi passar o primeiro poema por ser mais longo. Escolhi o segundo. E encantei-me:

Neste mundo em que metralhadoras
batem mais rápido seus textos
do que uma máquina de escrever
nos bolsos levo só poemas
para reacender as estrelas de madrugada

Cinco linhas. Poucas palavras. E um mundo de significados. O autor chama-se CHAGAS LEVENE e o nome do livro é TATUAGENS DE ESTRELAS. O título do poema resume tudo: Nos Bolsos Levo Só Poemas.

Os críticos chamariam este poema de intemporal, porque sempre poderá encaixar-se na realidade deste mundo de metralhadoras. Claro, as máquinas de escrever há muito já viraram objetos de museu, mas desde os primórdios da sua utilização, as metralhadoras batem mais rapidamente seus textos sangrentos.

Agora mesmo, sinto o barulho das metralhadoras a manchar de vermelho o mundo lá fora, mas também o mundo aqui dentro de mim está borrado por metralhas muito mais dolorosas do que balas de aço.

Abano as dores internas e faço minhas as feridas do mundo. É mais fácil globalizar a tristeza e colocar a culpa da lágrima na maldade do mundo. Assumir uma mágoa pessoal custa demais. Então, vamos falar da nova ameaça das metralhadoras reais: os Estados Unidos contra a Síria.

A gente vai escutando as notícias de chacinas, coloca as mãos no rosto e diz “meu Deus que horror!”. Depois partilhamos algumas mensagens no Facebook, comentamos outras, gostamos de algumas. Pronto. Fizemos a nossa parte. Acabou. Esquecemos aquela notícia e continuamos com a nossa vida, porque sempre temos as nossas dores pessoais para curar.

A última notícia chocante vinda da Síria e que chamou a atenção do mundo todo, extrapolando os “meu Deus, que horror!” foi a da morte de centenas de pessoas envenenadas com gás. Eu não tinha ouvido a notícia. Foi um choque quando vi, no Facebook, a foto de não sei quantas crianças caídas no chão no que parecia ser uma escola. Havia um bebê do tamanho do meu. Eles pareciam estar dormindo, mas eu deduzi que estavam mortos. Sem ler a legenda, sem saber do que se tratava, chorei e senti uma dor tão profunda que parecia ser mesmo minha. É claro, eu sou mãe. O instinto é maior do que qualquer coisa. Imaginei que poderiam ser meus filhos. Depois li a legenda. Corri para o quarto chorando sem parar, mal consegui explicar ao meu marido, apavorado com o meu estado, o que havia acontecido. Ele pensou que tivesse acontecido alguma coisa com alguém próximo de nós. Consolou-me e perguntou por que eu estava chorando, afinal, não podíamos fazer nada.

E é esta a mentalidade de todos nós. Apavoramo-nos mas lavamos as mãos porque não podemos fazer nada.

Lembro que naquela noite fiquei tecendo utopias – e quem me conhece sabe que sou extremamente utópica. Fiquei pensando que se todo mundo – e quero dizer todo mundo mesmo, todas as pessoas do mundo – fossem à Síria e dissessem “basta, chega de briga, tenham juízo, tenham amor!”. Eu não sei qual é a razão da briga por lá, mas seja qual for, certamente o amor conseguiria resolver. O primeiro pensamento depois desta ideia no mínimo maluca foi que não caberíamos todos (as pessoas do mundo) na Síria. E aí lembrei do Lennon – imagine there’s no countries – outro utópico como eu.
Mas o sono veio e no outro dia esqueci minhas utopias porque o mundo “real”, a minha vidinha, particular e minúscula, exigia a minha presença.

Uns dias depois, meu marido me contou: os EUA vão para a Síria. (Entenda-se “os EUA vão matar pessoas na Síria). Ahhhhhhh!!!!!!!!!!!! Vontade de gritar!!!!!!!!!! Será que o mundo está assim tão abestalhado que não se dá conta??????? Vão matar para parar as mortes. Dá uma raiva danada, porque até o meu filho de 5 anos sabe que isso não faz sentido.

Outro dia conheci alguém que foi soldado no exército turco. Ele contou-me que ficava baseado na fronteira da Turquia com o Iraque, bem na época em que os EUA foram para lá. Base estadunidense na Turquia, claro, porque a OTAN assim exige. O ex- soldado contou-me que é contra qualquer invasão dos EUA em qualquer lugar. Porque ele viu o que acontece. Disse mais (e eu fiquei, no início, perplexa). Disse que admirava o Saddam Houssein. Depois de eu jogar-lhe em cima todos os argumentos anti-ditadura decorados, ele explicou que admirava o tenebroso Saddam porque ele nunca abriu mão das suas ideias por medo dos EUA, mesmo que suas ideias fossem erradas. E contou que, agora, o Iraque está sob outra ditadura, a estadunidense. Mais: profetizou que é exatamente o que vai acontecer com a Síria. 

Mas todos nós sabemos disso. Nós, o Obama, a ONU e todas as pessoas do mundo (aquelas que deveriam lotar as ruas da Síria para pedir amor, lembram?). 

O ex-soldado também me disse outra coisa. Ele é muçulmano. Mas não acha que isso o torne mais ou menos especial. Segundo ele, o mundo é como a nossa mão. Cinco dedos, todos diferentes, mas todos fazem parte da mesma mão.

Eu sou a favor da invasão da Síria. Por soldados com poemas no bolso. Cada pessoa do mundo pode ser um soldado com um poema. 

Aí está! Por que, em vez de postarmos “oh meu Deus”, não postamos e enviamos poemas para os presidentes do mundo todo? Poemas contra a guerra, contra o ódio, contra o terror, contra o medo...

Não interessa se somos cristãos, muçulmanos, hindus, budistas, ateus ou outra opção religiosa qualquer. Há poemas lindos em todas as religiões e fora delas. Nós somos aproximadamente 7 bilhões de pessoas no mundo. Já imaginaram 7 bilhões de poemas nas caixas de correio dos nossos presidentes??? Algum impacto teria. 

Ou terá... que tal esta ideia???

P.S. Depois desta nova ideia (ou utopia?), até esqueci das minhas dores particulares.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Ao estilo da Florbela




Silêncio!
Cala-te dor insana!
O segredo que guardei te confina
Como ri, vou chorar, silenciosamente

Dor maldita que me matou a alma
Dor desgraçada que me enegreceu o coração

Desce, sai da minha garganta e deixa-me respirar
Para que possa inspirar e sorrir por fora

Silêncio!
Cala-te dor
Porque já te tornaste em carne
E não há remédio que te cure

Antes a morte do que tu,
Antes desaparecer do que viver a esquecer
O que nunca passou de um sonho

Ai de mim!
Estar viva por fora e morta por dentro
No inferno da dor sem fim
E da saudade do que poderia ter sido