quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Amar no infinitivo


Ontem...

Eu amei
Tu (nunca) amaste
Ele amou (demais)


Nós amamos (um ao outro, um dia)
Vós amastes (a si próprios)
Eles (fingiram que) amaram  

Hoje...

Eu (acho que) amo
Tu (parece que) não amas
Ele (diz que) ama

Nós (pensamos que) amamos
Vós (não sei se) amais
Eles (aparentemente) amam

Mas, amanhã, ah, amanhã...

Eu amarei (novamente)
Tu amarás (sempre a ti)
Ele amará (até morrer)

Nós amaremos (outros)
Vós amareis (a dor)
Eles amarão (a saudade)

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014




A cicatriz era frágil
E os pontos rasgaram-se
Fugiram suspiros e sonhos
Há muito remendados

Esperança

Quando o novo eclipse
Enegrecer o céu límpido de verão
Vou alar minhas asas
E iluminar o meu viver

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Ó meu bem-amado, como é doce - Eu Sou A Estrela Polar

Ó meu bem amado, como é doce
Ir banhar-me,
Banhar-me sob teus olhos,
Mostrar-te a minha beleza
Quando o meu vestido de fino linho
Do mais fino, digno de uma rainha,
Se molha para desposar
Cada curva do meu corpo.

Estou na água, diante de ti
E volto para ti
Com um belo peixe vermelho
Pousado na minha mão.
Vem e contempla-me.

Anónima
Egipto, século XIII a.C.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

A pequena banhista - Eu Sou a Estrela Polar






Oh, meu amor:
Que prazer mergulhar na água.

Banhar-me diante dos teus olhos,
mostrar-te a minha beleza
sob o traje de linho
quando está molhado e goteja.

Na água contigo deslizo
e dela emerjo para ti
com um peixe roxo entre os meus dedos.
Oh, vem e contempla-me.

Anónima - Egipto
(provavelmente do século XIII a.C.)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Noivo, querido do meu coração (excerto) - Eu Sou A Estrela Polar

  Inanna - deusa suméria

Noivo, querido do meu coração,
sedutora é a tua beleza, doce mel,
leão, querido do meu coração,
cativante é a tua beleza, doce mel.

Tu, cativaste-me, deixei-me ficar
trémula diante de ti,
Noivo, eu deixei
que me levasses para o quarto.

Noivo, deixa-me acariciar-te,
a minha deliciosa carícia
é mais deliciosa que o mel,
No quarto, corre mel,
gozemos a sua deliciosa beleza.
leão, deixa-me acariciar-te:
a minha adorável carícia
é mais saborosa que o mel.

Noivo, de mim tomaste o teu prazer,
conta à minha mãe e ela será gentil,
o meu pai dar-te-á prendas.

O teu espírito, eu sei onde recreá-lo.
Noivo, dorme em nossa casa até amanhecer,
Eu sei onde alegrar o teu coração,
Leão, dorme em nossa casa até amanhecer...

Anónima - Suméria
Segundo milénio a.C.

Interessante sobre a concepção de amor na Suméria, confiram: Habitantes da Antiga Suméria e Babilônia


Eu Sou A Estrela Polar





O poeta Fernando Couto - para quem não sabe, lá no Brasil e adjacências, o pai do Mia Couto - garimpou uma série de poesias de amor de autoria de mulheres (este é o subtítulo do livro). Até aqui, nada de mais, pois não???

O extraordinário é que a garimpagem é de poemas antigos, alguns escritos antes da nossa era cristã. Alguns mostram a expectativa da noiva à espera do seu amado, outros choram um coração despedaçado.

Porque muita coisa mudou nos últimos milênios (que tal esta???), mas, pelo jeito, o amor continua o mesmo, as mulheres continuam amando da mesma maneira. O amor, afinal, é perene e imortal!

Como sei que o livro teve edição muito limitada (somente 1000 exemplares, publicados pela editora Ndjira, em Maputo, em 2011), vou partilhar com vocês todo o conteúdo do livro, pouco a pouco, para que se deliciem com as peripécias românticas de sumérias, egípcias, chinesas, japonesas, espanholas, portuguesas e até odaliscas dos haréns.

Vou começar com a "Apresentação", pelo próprio Fernando Couto e depois pelo Prefácio, do orgulhoso filho Mia Couto.

Mantive a grafia original, no português de Portugal.



Apresentação

Esta antologia pretende cobrir uma coordenada temporal com início cerca de 4000 anos antes de Cristo e findando no século XVII. A coordenada espacial, preferenciando poetas praticamente desconhecidos entre nós, inclui alguns das literaturas egípcia, grega, e chinesa e inclui ainda uma pequena vertente dos folclores português e espanhol e originais de outras fontes.
Como se indica no subtítulo da colectânea, foram as temáticas do amor carnal e da beleza física feminina que determinaram a inclusão na antologia. Isso, porém, não exclui que, aqui e além, não aflorem a mágoa, a angústia e o desespero e especialmente a fidelidade.

Resultou a colectânea de um critério restritivo - reconhece-se, mas que não induzirá o leitor em erro de pista, a presumir pelo título, embora não se incluísse aqui poemas de nítido carácter libertino.

Tanto quanto foi possível, deu-se voz às variedades de origens e tempos:

- assim, a antologia inclui poetisas identificadas e anónimas.

Adoptou-se traduções literais, tão fiéis quanto possível ao conteúdo e forma, recorrendo em grande parte a traduções de traduções.

Deve esclarecer que na grafia dos nomes chineses se adoptou a de sinólogas espanhola e francesa anteriores à alteração da década de 80. Para os japoneses adoptou-se as traduções inglesas.

Sem recurso à escrita, sufocada pelo extremismo machista, a Mulher foi exercendo poesia cantando e dançando nas romarias e também na execução de trabalhos em conjunto e assim contribuiu para a construção dos cancioneiros que ainda continuam a seduzir-nos pelas admiráveis eloquências, rigores métricos, capacidade de comunicação, o português e o espanhol, um e outro com uma variedade surpreendente e com um poder de atracção notável os que ficaram ao nosso alcance.

O título escolhido - reprodução de um poema de uma dama chinesa do século IV - resulta da diferença entre o machismo e o feminismo.

As variadas faces do amor aqui vão sendo expressas e até as encontramos vividas por freiras em conventos, por jovens que não terão sido resultados de vocações religiosas a determinar os seus internamentos.

F.C.

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Prefácio

Uma Estrela à procura do Céu

Na escola, muitos dos meus colegas de escola não haviam nunca tido contacto com a poesia. Para eles, o poeta era uma criatura estranha, um ser desencontrado do mundo e incapaz de viver. O texto poético era assunto para outros, do mesmo modo que o amor era um território distante e, sobretudo, ridículo. Num dado momento, porém, quase todos esses jovens tropeçavam nos versos de Camões em que se cantava um «fogo que arde sem se ver». De súbito, algo estremecia naqueles adolescentes. Eis que alguém falava de um sentimento que não se podia dizer senão em poesia. Surgia, então, claro que a todos nos faltava um idioma que nos concedesse maior intimidade com a Vida. poesia e amor chegavam-nos de braço dado, num mesmo assalto perturbador, revelando a nossa profunda carência, enquanto seres apartados da paixão e da palavra.
Lendo os poemas que foram seleccionados para este livro recordo o despertar mágico causado pelos versos de Camões. E confirmo: ninguém escreve «sobre» o amor. A paixão do enamorado não é convertível em tema, não pode ser tratado em texto. Para quem se propõe, como eu, escrever um prefácio para um livro de poemas românticos a questão é ainda mais complicada: como falar da poesia que fala do amor?

Perpasa em todos estes versos um mesmo pulsar: a poesia autorizando a Vida a tomar posse das nossas vidas. Como se uma operação inversa convertesse a criação no criador: é a própria poesia que cria o apaixonado. É a sua lírica que inaugura o amor. A escrita da paixão só pode nascer da paixão pela escrita.

Desfilam neste livro autoras de culturas e tempos diversos: da China ao Magreb, do Níger a Espanha, da Coreia à Suméria, da França ao Antigo Egipto. No entanto, em todos estes versos se inscreve o mesmo espanto e a mesma revelação perante a paixão. O sentimento do amor e a vertigem do enamoramento atravessam de igual modo povos tão distantes na sua condição geográfica e temporal.

Na aparência estamos perante um único fenómeno lírico: o laço de paixão que une dois amantes. Ao longo do livro, porém, damos conta que esse amor que as poetas elegeram é mais doq ue uma relação a dois. Trata-se, sobretudo, de uma relação fascinada com o mundo e com os outros. Noutros termos: estes versos falam de um estado sublime em que nos sentimos únicos e encantados. Falam dessa luz total que nos cega, esse fogo que Camões nos fazia contemplar em estado de poesia.

Ver-se-á nestes versos, tão unos e tão variados, que a mágoa é o motivo maior daquele que fala o amor. Como se provasse que para haver história fosse preciso o sofrimento. Por algum motivo já não há mais narrativa depois do infalível remate: ... casaram, tiveram filhos e viveram muito felizes. Essa felicidade sem sobressalto fecha a história. Esse sossego é o fim do livro. A poesia começa na perda do amado e na carência irresolúvel de quem ama. A palavra é quem traz o amante da outra margem do mundo. Porque os enamorados se encontram exactamente onde o mundo e o tempo desvanecem, nesse lugar de ausências onde apenas a palavra os pode salvar.

Existe a estrela polar, como diz a poeta. A estrela que arde enquanto se ama. Essa estrela incandesce, em ardência de si mesma, porque está a procura de um céu que a torne eterna. Esse inventado céu chama-se poesia.

Mia Couto

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Dan Brown, José Rodrigues dos Santos e a literatura de massa



Ao procurar uma definição para a expressão “paraliteratura”, encontraremos, na maioria dos casos, o seguinte: “Termo que designa (...) uma série de textos que são considerados não literários, embora possam reconhecer-se neles alguns aspectos de valor literário: novela cor-de-rosa ou sentimental, policial, far-west, de terror, de ficção científica, fotonovela, etc.”[1].

Já para alguns autores, como Carlos Reis (O Conhecimento da Literatura, 2. Ed. Coimbra. Almedina, 2001), “paraliteratura” é todo o texto que não se encaixa nos cânones literários.

Na minha paupérrima opinião, é a literatura superficial, feita para as massa e com o simples objetivo de vender livros. É a literatura despreocupada, vazia de significados, pensada para o entretenimento de leitores que procuram uma distração fácil que os faça esquecer e descansar da vida enlouquecera que levamos.

Um dos expoentes deste tipo de escrita, no Brasil, é o famoso e mundialmente traduzido escritor – e mago – Paulo Coelho.

Mas não é do “Mago” que quero falar hoje. É, particularmente, de dois escritores também mundialmente famosos, um deles autor de um best seller: Dan Brown e o português José Eduardo dos Santos.

O primeiro conheci com o famosíssimo O Código Da Vinci, no ano do seu estrondoso sucesso. O segundo, que já conhecia através da sua atuação como jornalista nas televisões portuguesas, fui descobrir escritor há uns dois anos, com O Códex 632.
Depois disso, e recentemente, li mais um livro de cada um deles: Inferno, de Brown, e O Sétimo Selo, de JRS.

Já no meu primeiro contato com a obra de JRS, identifiquei prontamente o estilo de Dan Brown. A base da trama – um mistério com toques de romance policial, adornado com informações reais sobre fatos do nosso quotidiano e muitas referências sobre algum fato cultural. Ambos chamavam a atenção para alguma questão importante: o futuro da religião católica, no caso d’O Código Da Vinci e a síndrome de Down, no caso d’O Códex 632.

Confesso que li estes quatro livros sem descanso. A interessante oferta de informações reais chama a atenção e leva o leitor – pelo menos esta que vos fala – a querer saber mais e mais. A intertextualidade também prende, pois possibilita-nos um conhecimento culto sem esforço.

Infelizmente, o fato é que nada disso substitui a sensação de vazio que senti no final de cada um dos romances. O que ficou foi a sensação de ter sido enganada – ao invés de um thriller de tirar o fôlego, recebi uma história simples, recheada de informações enciclopédicas e jornalísticas. Na verdade, das (em média), 500 páginas de cada romance, acredito que somente 20% faziam parte da narrativa. A informação é tão repetitiva que, em algumas partes d’O Sétimo Selo, chegava a pular para a página seguinte. A impressão é de que o autor está “enchendo linguiça”, como dizem na minha terra.

Calma! Penso que estou dando a  entender que estes dois escritores de sucesso não prestam! Ora, quem sou eu?! Pelo contrário, eles são excelentes! Possuem uma cultura e fontes de informação extraordinárias, que aliam à sua enorme imaginação.

O caso é que eu sou meio conservadora para estas coisas. Quero sempre que, no final de um livro, eu ainda conserve alguma simpatia por uma personagem, algum “perder o fôlego” ao lembrar de um parágrafo, quero que alguma imagem fique gravada na minha memória para sempre.

Como acontece com a passagem de Guerra e Paz em que André Bolkonsky agoniza em uma cama no mosteiro, tendo por companhia a desesperada Natasha, que implora o seu perdão. André perdoa a amada e morre sob a luz do sol poente a entrar pela janela, o que torna o quarto aconchegante e lúgubre com seus tons laranja.

Já não e lembro se é isso o que foi realmente descrito por Tolstoi, mas a minha mente de adolescente – devia ter uns 14 anos quando li este livro – gravou assim aquela cena. Nem preciso dizer que, quando assisti ao filme, em preto e branco, a decepção foi total, pois a cena não era nada do que eu havia imaginado.

Isso tudo para dizer que sinto falta das personagens reais, com sentimentos e dramas profundos e personalidades marcantes.

Ora, quem é Roberto Langdon? Um professor universitário com grande conhecimento, claustrofóbico e... e o que mais???

Para terminar – porque acho que já falei demais e sou capaz de começar a “encher linguiça” – confesso que vou continuar a ler Dan Brown e José Rodrigues dos Santos, porque também gosto de algumas leituras descompromissadas. Mas não vou largar nunca James Joyce, Umberto Eco, José Saramago, Guimarães Rosa e o meu novo víco: Khalid Housseini. 

Felizmente à lista de autores que nunca vou deixar, posso continuar acrescentando nomes infinitamente. Ainda bem que a literatura de verdade ainda sobrevive, apesar da “literatura de massa”.

A título de P.S., uma última confidência: tenho na minha estante O Anjo Branco do José Rodrigues dos Santos. Foi um presente. Vou ler em breve. Mas não contem para ninguém, certo?


[1] PAZ, Olegário, MONIZ, António. Dicionário breve de termos literários. 2. Ed. Lisboa. Editorial Presença, 2004.