domingo, 17 de junho de 2007

Sem título, com dor no coração

O domingo amanheceu estranho. Chuva através do sol e uma aura de presságio, de mau presságio.
Como sempre, estava tomando minha xícara de café na sala, fazendo planos para o dia. Os cães estavam deitados junto aos meus pés e aquela má impressão com que eu havia acordado parecia se dissipar à medida que recebia o carinho deles e o café esquentava meu corpo. Não estava frio, mas um vento gelado corria no jardim, sacudindo as árvores e fazendo bater as portas da casa. Foi quando ouvi os gritos.

Era o grito desesperado de um cão. Parecia machucado. Meus cães correram em direção ao portão, latindo e rosnando, desesperados. A princípio, fechei os olhos e pedi para que os gritos parassem, afinal, que podia eu fazer? Recolher o cão, chamar o veterinário, talvez. Mas isso aqui é complicado, os cães, mesmo os que parecem de rua, têm donos e estes donos são às vezes mais animais do que os próprios cães.

Mas os uivos e gritos não pararam e eu corri em direção à rua. Quando cheguei ao portão, os gritos haviam parado e eu fiquei procurando a origem do barulho. Havia muitas pessoas na rua, um grupo de crianças gritava alguma coisa que eu não entendia. Um caminhãozinho do Conselho Municipal (equivalente à prefeitura) estava parado na esquina e alguns homens executavam algum serviço que eu não podia distinguir.

Foi quando um dos homens veio para a frente da minha casa. Havia um casal de cães na rua, uma cadela já minha conhecida, da casa da frente e outro cão, um cãozinho preto, pequeno, peludo. Seu pêlo e estatura lembravam um Yorkshire. Lembro que pensei, naquele momento, nas madames que pintam seus cães e que, talvez, esse pudesse ser um dos cães de madame com henna no pêlo. Mas não, aqui isso não acontece. Era mesmo um cão de rua, um rafeiro, como dizem aqui.

De imediato, o homem do Conselho Municipal, alto, forte e decidido, agarrou o cãozinho indefeso por uma perna e levantou-o no ar. Eu imediatamente comecei a gritar para que parasse, pois estava machucando o cão. Outro homem limitou-se a responder-me que eu não me preocupasse, pois o cão assim não morderia. Como se eu estivesse preocupada com o homem… que ironia! Este gesto quebrou a perna do cão, que gritava mais desesperadamente ainda. Talvez seus gritos tenham sido abafados pelos meus que, histérica, com as mãos nas grades do portão, implorava para que parassem com aquela cena bizarra. Já imaginava como iria telefonar ao veterinário, como faria para cuidar daquele cão com a perna partida por um animal. Mas os homens ficaram surdos aos meus gritos e aos gritos do cão. Com o cão machucado, o monstro conseguiu pegá-lo pelas duas patas e ficou girando-o em volta de si, até que um outro veio com um tronco, com o qual subjugaram o cão (como se um cão daquela estatura e com a perna quebrada pudesse causar algum mal), enquanto o caminhãozinho chegava mais perto. Na carroceria, havia uma gaiola de madeira, cheia de outros cães. Era a carrocinha moçambicana. O cão, machucado, foi atirado para dentro da gaiola, junto com os outros cães que uivavam e choravam.

Foram embora e eu fiquei ali, grudada ao portão, sem conseguir sair do lugar. Chorava compulsivamente e as crianças, assustadas com minha reação, achegaram-se a mim. Eu perguntei por que faziam aquilo e as crianças responderam que não sabiam, mas que agora iam guarda seus cães para que não lhes acontecesse o mesmo.

Chorei muito, revoltei-me, tentando entender o que leva um ser humano (?) a tal atitude. O cãozinho teve a perna quebrada por aquele monstro e ele não demonstrou nenhuma pena, balançava o animalzinho como se fosse um pedaço de madeira, indiferente aos gritos (meus e do cão).

Realmente, há muitos cães na rua aqui na cidade. Realmente alguma coisa precisa ser feita. Mas isso??? Por que tanta maldade? Tentei me consolar pensando que aqueles cães iam morrer, que iam para o céu dos cães, como costumo dizer, iam parar de sofrer maus tratos nesta vida ingrata. Mas depois lembrei… como irão matá-los? A pauladas, certamente.

O pior é que não tenho a quem recorrer, não tenho a quem denunciar. Aqui, os animais são isso, são tratados assim, como nadas. Sei que não há dinheiro para canis públicos, para uma campanha de castração, mas nada justifica a violência.

Meu coração está despedaçado. Senti mais uma vez o tamanho da minha impotência frente a estes animais que se dizem humanos. Deveria ter saído do portão, deveria ter arrancado o cão à mão daquele monstro, mas, será que não teria tido o mesmo tratamento que o cão? Confesso, senti medo. E pior do que a impotência, é o medo, principalmente quando os ditos humanos transformam-se em monstros insensíveis e desalmados.

2 comentários:

  1. Quem sabe os seus escritos não começarão por modificar as coisas?
    Pense nisso!
    Um abraço, também compartilhando sua revolta.
    Ziggy e Marley latem carinhos pra vc.

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  2. Inacreditável que ainda existam pessoas tão desumanas, Aline.
    Deve ter sido chocante.
    Beijo,

    Conceição

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