sábado, 10 de maio de 2014

A sensibilidade do olhar (e suas implicações)








Muito já foi dito sobre a insensibilidade moderna. A velha história de que, ao assistir a uma atrocidade qualquer na televisão, as pessoas fazem boca de peixe e dizem um sonoro “oh, que horror!”, mas se cruzarem na rua pela mesma desgraça, atravessam a rua, viram o rosto, tapam o nariz.

Tem sido alvo da mídia o caso da mulher lichada no Guarujá.

“Uma mulher inocente linchada!!!”, bradam as manchetes e os editoriais. Inocente ou não, todos sabemos que espancar alguém até a morte é barbárie. É, mas aconteceu. E foi feito por pessoas como nós, pais e mães de família, trabalhadores, estudantes... pessoas comuns! É da natureza humana revelar o seu pior lado quando somos apoiados pela “turba”. Decerto alguém que passava por lá, absorto nos seus problemas diários, tenha desviado o olhar por alguns segundos e pensado em tentar impedir, mas teve medo de também ser vítima da fúria cega da multidão. Seguiu seu caminho e sentiu um remorso passageiro quando viu a notícia na TV.

Outros desviaram seu caminho, sacaram dos telefones e, como se fosse um furo jornalístico, garantiram o registro em vídeo da cena grotesca.

E outros, sentados em suas poltronas, apavoraram-se a cada segundo daqueles filmes, grunhindo profundos e pesarosos “ohs”, mas assistindo a tudo com um prazer mórbido bem oculto, como aquele que surge quando há um acidente de carro e todos param para ver o sangue.

Ainda há outros, outras reações, outras atitudes. Todos adeptos do “oh, que horror!”.

Os sociólogos, antropólogos, psiquiatras e afins vão dizer que o ser humano se tornou “duro” porque as situações de barbárie são tantas que já se tornaram corriqueiras. Correto...?!? Sim, correto.

MAS...................

Hoje li um texto do Leonardo Boff. Ele iniciava dizendo que “não é verdade que vivemos tempos pós-utópicos”. Segundo este ex-padre, o ser humano é portador da esperança, busca sempre a felicidade.

Depois afirma que o tempo das utopias maximalistas está ultrapassado e que estamos na era das utopias minimalistas, em que cada pessoa tenta melhorar o mundo ao seu modo. Ora, se não podemos impedir que crianças sejam assassinadas na Síria, sempre podemos deixar de jogar lixo no chão e tornar a nossa cidade mais agradável para as nossas crianças.

O fato é que as pessoas se importam. Cada dia que saem de suas casas e se deparam com alguma mazela social, mesmo desviando o olhar, uma ponta de tristeza aloja-se em seus pensamentos. E evitam olhar, evitam falar qualquer coisa além de um “oh” porque sentem-se impotentes.

Jogamos moedas a mendigos para que nos deixem seguir nosso caminho sem ouvir seus lamentos. Mas lamentamos profundamente a situação desumana daqueles que recebem as moedas. Depois apagamos esta sensação incômoda da nossa consciência e seguimos em frente com os nossos próprios problemas.

Não olhamos profundamente para os problemas do mundo porque o peso deste olhar poderia nos soterrar.

Porque se olharmos, estaremos condenados a nos importar e não conseguiremos dormir sem tomar uma atitude. A cena da criança mutilada na Sìria ficaria gravada no nosso cérebro e o seu choro ensurdecer-nos-ia.

Melhor não olhar. É mais prudente. Corremos o risco de enlouquecer!

Ainda ficamos como aqueles malucos que escalam os cascos de petroleiros no meio de um mar gelado só para impedir que o mundo seja mais poluído. Ou (Deus me livre!!!), enlouquecemos ao ponto de nos colocarmos na frente de tanques de guerra para acabar com conflitos estúpidos!

Ou, (pior!) largamos a segurança dos nossos lares para enfrentarmos doenças que nem sequer existem no nosso país, só para salvar algumas crianças no meio do mato.

São todos loucos estes ativistas, missionários, voluntários!!! Loucura causada por uma olhadela mais profunda. Por uma fenda aberta na sua consciência! 

Loucos de pedra por abdicarem de seus problemas em prol dos problemas do mundo!

LOUCOS!!!!!!!

Será?

Bom, antes louco do que cego, não é???

 “Mais louco é quem me diz que não é feliz / Eu sou feliz” (Ney Matogrosso)

Nenhum comentário:

Postar um comentário