Muito já foi dito sobre a
insensibilidade moderna. A velha história de que, ao assistir a uma atrocidade
qualquer na televisão, as pessoas fazem boca de peixe e dizem um sonoro “oh,
que horror!”, mas se cruzarem na rua pela mesma desgraça, atravessam a rua,
viram o rosto, tapam o nariz.
Tem sido alvo da mídia o caso da
mulher lichada no Guarujá.
“Uma mulher inocente
linchada!!!”, bradam as manchetes e os editoriais. Inocente ou não, todos
sabemos que espancar alguém até a morte é barbárie. É, mas aconteceu. E foi
feito por pessoas como nós, pais e mães de família, trabalhadores,
estudantes... pessoas comuns! É da natureza humana revelar o seu pior lado
quando somos apoiados pela “turba”. Decerto alguém que passava por lá, absorto
nos seus problemas diários, tenha desviado o olhar por alguns segundos e
pensado em tentar impedir, mas teve medo de também ser vítima da fúria cega da
multidão. Seguiu seu caminho e sentiu um remorso passageiro quando viu a notícia
na TV.
Outros desviaram seu caminho,
sacaram dos telefones e, como se fosse um furo jornalístico, garantiram o
registro em vídeo da cena grotesca.
E outros, sentados em suas
poltronas, apavoraram-se a cada segundo daqueles filmes, grunhindo profundos e
pesarosos “ohs”, mas assistindo a tudo com um prazer mórbido bem oculto, como
aquele que surge quando há um acidente de carro e todos param para ver o
sangue.
Ainda há outros, outras reações,
outras atitudes. Todos adeptos do “oh, que horror!”.
Os sociólogos, antropólogos,
psiquiatras e afins vão dizer que o ser humano se tornou “duro” porque as
situações de barbárie são tantas que já se tornaram corriqueiras. Correto...?!?
Sim, correto.
MAS...................
Hoje li um texto do Leonardo Boff. Ele iniciava dizendo que
“não é verdade que vivemos tempos pós-utópicos”. Segundo este ex-padre, o ser
humano é portador da esperança, busca sempre a felicidade.
Depois afirma que o tempo das utopias maximalistas está
ultrapassado e que estamos na era das utopias minimalistas, em que cada pessoa
tenta melhorar o mundo ao seu modo. Ora, se não podemos impedir que crianças
sejam assassinadas na Síria, sempre podemos deixar de jogar lixo no chão e
tornar a nossa cidade mais agradável para as nossas crianças.
O fato é que as pessoas se importam. Cada dia que saem de
suas casas e se deparam com alguma mazela social, mesmo desviando o olhar, uma
ponta de tristeza aloja-se em seus pensamentos. E evitam olhar, evitam falar
qualquer coisa além de um “oh” porque sentem-se impotentes.
Jogamos moedas a mendigos para que nos deixem seguir nosso
caminho sem ouvir seus lamentos. Mas lamentamos profundamente a situação
desumana daqueles que recebem as moedas. Depois apagamos esta sensação incômoda
da nossa consciência e seguimos em frente com os nossos próprios problemas.
Não olhamos profundamente para os problemas do mundo porque
o peso deste olhar poderia nos soterrar.
Porque se olharmos, estaremos condenados a nos importar e
não conseguiremos dormir sem tomar uma atitude. A cena da criança mutilada na
Sìria ficaria gravada no nosso cérebro e o seu choro ensurdecer-nos-ia.
Melhor não olhar. É mais prudente. Corremos o risco de
enlouquecer!
Ainda ficamos como aqueles malucos que escalam os cascos de
petroleiros no meio de um mar gelado só para impedir que o mundo seja mais
poluído. Ou (Deus me livre!!!), enlouquecemos ao ponto de nos colocarmos na
frente de tanques de guerra para acabar com conflitos estúpidos!
Ou, (pior!) largamos a segurança dos nossos lares para
enfrentarmos doenças que nem sequer existem no nosso país, só para salvar
algumas crianças no meio do mato.
São todos loucos estes ativistas, missionários,
voluntários!!! Loucura causada por uma olhadela mais profunda. Por uma fenda
aberta na sua consciência!
Loucos de pedra por abdicarem de seus problemas em prol dos
problemas do mundo!
LOUCOS!!!!!!!
Será?
Bom, antes louco do que cego, não
é???
“Mais louco é quem me diz que não
é feliz / Eu sou feliz” (Ney Matogrosso)
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