segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Preservação da espécie humana
sábado, 28 de novembro de 2009
Os mitos do fim do mundo
sábado, 14 de novembro de 2009
Jaimito

Olá, sou o Jaimito. Com certeza tu já me conheces mas, infelizmente, não te lembras de mim porque, apesar de ter falado comigo muitas vezes, nunca prestaste atenção em mim.
Muitas vezes ajudei-te com as compras e outras muitas nem isto deixaste-me fazer, pois meu aspecto dava-te asco ou, pior, tinhas medo de que eu te roubasse.
E talvez até tivesses razão no teu medo. Sim, talvez eu te roubasse mesmo.
Aprendi, quando passei a maior parte dos meus 11 anos nas ruas da Beira, que roubar e mentir são garantias de sobrevivência. E sim, muitas vezes inventei sofrimentos falsos para apelar à tua consciência e ao teu bolso. O que não sabes é que talvez não suportes saber dos meus verdadeiros sofrimentos, que nem eu mesmo quero lembrar.
Prefiro afogá-los em ilusões transportadas pelo álcool que consigo comprar quando tu alivias tua consciência com alguns trocados.
Sei que não queres saber da minha história, mas hoje vais ter de ouvi-la. Pelo menos o que consigo contar...
Decerto fui amado por alguém, pois tenho nome. Ninguém dá nome a outra pessoa sem amá-lo. E este meu nome, no diminutivo, faz-me lembrar algum carinho. Se bem que também não sei direito o que é esse tal de carinho. É uma palavra bonita, que sempre vem junto com outras palavras como “abraço”, “afago”, “preocupação”, “beijo”. Isso, que me lembre, nunca tive. Quem sabe aquela pessoa que me deu o nome quisesse me ensinar o que é tudo isto, mas desconfio que seja a minha mãe e ela já não está mais por aqui.
Não tenho pai ou mãe. Vivi com um tio que dizia que meus pais haviam morrido. Este tio também morreu.
Desde então, apesar de ter algum lugar para ficar, na casa de alguma tia, preferi viver nas ruas. Durmo por aí e sempre consigo algum trocado para abrandar a fome.
A vida nas ruas não é muito fácil. Certa vez, numa brincadeira com meus amigos, fui queimado. Tenho cicatrizes horríveis nos pés, com a pele toda repuxada. Também tenho cicatrizes de cortes no rosto, resultado das agressões que sofri e das que tentei infligir.
Mas as piores cicatrizes estão na minha alma. No hospital, onde já sou velho conhecido, dizem que não tenho jeito. Sou um menino mal, violento, dado a acessos de raiva. Sempre que passo por lá amarram-me na cama e dão-me tranquilizantes. Por um lado é bom, tenho cama e comida por alguns dias, mas como tenho muito medo de tudo, sempre dou um jeito de fugir.
Já estive em um orfanato. Rendeu-me uma das cicatrizes no rosto, uma das grandes, acima do olho. Não conto como foi, só que foi.
Não, não tenham pena de mim! Não é por isso que conto esta história. Agora, neste preciso momento, não preciso de pena.
Estou internado na psiquiatria do Hospital Central, com cuidados. Precisarei da pena de vocês quando voltar às ruas. Precisarei que sintam pena de mim para darem-me os trocados de sempre.
Como vim parar ao hospital novamente? Conto já...
Consegui um dinheirinho, mas não conto como. Decida-se pela resposta mais lógica... alguém com a consciência muito pesada mesmo deu-me quinhentos meticais ou, talvez, eu tenha roubado de alguém sem consciência.
Outros que também andam pela rua souberam disso e tentaram tirar-me o dinheiro. Espancaram-me. Eu, como estava bêbado, não consegui reagir muito bem e desmaiei. Fiquei sem o dinheiro e todo machucado. Alguém que passava trouxe-me ao hospital e aqui estou.
Como sou homem, forte, não tive grandes lesões. Como dizia antes, as maiores cicatrizes estão na minha alma.
Uma senhora que eu costumo ajudar com as compras, tendo a consciência pesada, veio ajudar-me. Ficou comigo durante algum tempo e eu, penso que pela primeira vez em muito tempo, senti-me protegido. Segurou a minha mão enquanto eu tirava raio-x. E eu deixei-me chorar. Aquela sensação de proteção foi tão estranha que não sabia se gostava ou não. Mas chorei, apesar de saber que gente como eu não tem o direito de chorar.
Acho que estava assustado. Com o raio-x e com a proteção. Ela disse que iria ajudar-me. Saiu e voltou com um sumo, mas a enfermeira-chefe, já minha amiga e uma das minhas mães, uma alma iluminada, deu-me coisa melhor... Deu-me o seu almoço! Arroz de tomate e galinha. Sim, aqui no hospital há gente muito boa mesmo! Aproveitei para ser criança um pouquinho – lembram-se? Tenho onze anos! – e pedi àquela senhora da consciência pesada uma bicicleta.
Na verdade, queria ser como as outras crianças que vejo por aí. Ir à escola, brincar com os amigos, andar de bicicleta. Mas não tenho casa onde guardar a bicicleta, não tenho pais que me protejam quando eu estiver a andar de bicicleta e alguém quiser roubá-la. Acho que não posso mesmo ter uma bicicleta.
Do que eu preciso, tu deves estar te perguntando...
Eu acho que só preciso que continues com a tua consciência pesada e me dês os trocados de sempre.
Mas Deus sabe que eu preciso de amor, carinho e tratamentos. Tenho problemas psicológicos, sim. Às vezes sou agressivo, tenho acessos de raiva. Mas são as cicatrizes da minha alma que ardem e preciso fazer com que a dor desapareça.
Deus sabe que eu só preciso ser criança, com todos os direitos que cada criança tem.
Ah! Só para lembrar!!! Como eu, existem milhares por aí. Mas isso tu já sabes e te apavoras e dizes “Meu Deus!” cada vez que sabes de alguma barbaridade que aconteceu conosco. Abres a carteira, alivias tua consciência e segues em frente.
Nós, os Jaimitos da rua, continuamos aqui. Talvez seja uma maneira de Deus lembrar-te que a vida não é tão simples quanto pensas.
Agora despeço-me. Sem beijos nem abraços, porque, tenho certeza, não gostarias de me abraçar ou beijar.
Adeus, logo nos veremos, assim que eu sair do hospital e voltar para as ruas.
Obs.: Esta foto não é do Jaimito, encontrei no Google, mas nem precisava... para conhecer o Jaimito, é só olhar para qualquer criança de rua que encontrares...
domingo, 1 de novembro de 2009
Voltando à adolescência
Qual a adolescente que não quer um romance como este??? Pelo menos qual adolescente da minha geração...
Viajem comigo, ok?

Eduardo
Meu nome é irrelevante, pois ninguém me chama. Tenho 17 anos e acabo de chegar a uma cidadezinha encravada nas montanhas, onde o sol raramente aparece a rasgar a intensa neblina que cobre o lugar.
Estou perdida, assustada, despreparada para esta mudança. As pessoas são simpáticas, tentam receber-me bem, mas quando saio à rua sinto mil olhos a analisar-me, a tentar perceber-me. Sinto-me um objeto numa vitrine ou, pior, uma peça de leilão.
A escola é uma tortura. Não consigo acompanhar as conversas nos intervalos, não sei do que falam, sorrio para concordar e não deixar transparecer o tamanho da minha inadequação naquele espaço. Falam sobre festas, dias ensolarados em lugares distantes, ouvem músicas que ferem meus ouvidos até a alma, riem alto de motivos sem graça.
Passo meus dias a remoer lembranças de uma vida que não conheci. Sonho acordada com lugares que nunca vi. Sinto coisas que não consigo explicar. Escondo-me do mundo e dos seus olhos, os fones de ouvido e os livros são o meu refúgio.
Nada me interessa neste lugar. Não há nada que me chame a atenção por aqui.
Até aquele dia.
Foi mais um dia de tortura na escola. Estava sentada a fingir ouvir as conversas, de vez em quando anuía com a cabeça e sorria para parecer interessada, quando senti este frio percorrer-me a espinha, uma brisa gelada que parecia levantar minha pele e penetrar na minha alma. Uma força inexplicável fez-me virar para trás, em direção à porta.
Neste momento, fez-se um silêncio profundo. Tudo o que estava ao meu redor desapareceu. Via somente aqueles olhos felinos que olhavam diretamente para mim, para dentro de mim. Sua pele terrivelmente branca iluminava a cafeteria e seus lábios, de um vermelho vivo perturbador, pareciam beijar-me à distância.
Fiquei paralisada não sei durante quanto tempo, congelada naquele momento mágico e assustador.
De repente, como se aperta o botão “play” do controle remoto após uma pausa em um filme, o tempo voltou a correr, aquela criatura mágica desviou o seu olhar do meu e foi para o fundo da sala, sentar-se a uma mesa atrás de mim.
O barulho ensurdecedor do intervalo das aulas na cafeteria voltou. Tentei voltar também à minha tarefa de fazer-me parecer interessada na conversa, mas já não pude. Sentia aqueles olhos cravados na minha nuca, sentia aquele vento frio dentro de mim.
Elda, uma das poucas pessoas que eu conseguia entender e acompanhar, reparou na minha perturbação e sentenciou:
- Ele chama-se Eduardo. Mas não adianta sonhares. A sua beleza é proporcional ao mistério em torno dele. Ninguém sabe nada a seu respeito, nunca conversou com ninguém, ninguém nunca ouviu sequer sua voz. Todos chamam-no “O Estranho”.
Naquela noite, sonhei com Eduardo. Mas não foi um sonho qualquer. Foi um sonho real e fantástico ao mesmo tempo. Estávamos acima das montanhas, em outro momento, estávamos no fundo do oceano e, por fim, ele estava em meu quarto, parado em frente à minha cama, fitando-me com seus olhos brilhantes. Pisquei e ele desapareceu, deixando somente aquele vento gelado dentro de mim.
Na manhã seguinte resolvi não pensar mais no assunto. Aquela noite havia sido o resultado da advertência de Elda, combinada com minha fértil imaginação e necessidade de novidades naquela vida tão sem graça. Decidi não pensar mais em Eduardo, esquecer a sua existência (ou não existência, segundo Elda).
Mas o desejo da mente nem sempre vai de encontro ao desejo da alma. Procurei-o a manhã toda. Em cada lugar que entrava, sentia seus olhos a fitarem-me a nuca. Corria os olhos por todos os cantos e não o via.
Dias passaram-se e eu já estava a começar a acostumar-me com a ideia da sua inexistência. Talvez tudo aquilo fosse uma forte alucinação criada pelo tédio da cidade pacata. Foi quando Eduardo apareceu novamente.
Estava a ler, deitada na minha cama, quando senti sua presença. Levantei os olhos do livro e ele estava ali, em pé, em frente à minha cama, como eu havia sonhado na primeira noite. Pensei estar sonhando novamente, talvez um terrível pesadelo do qual não conseguisse acordar.
Meu coração batia aceleradamente, meus olhos não conseguiam desviar o olhar de Eduardo. Ainda assim não conseguia definir de que cor eram os seus olhos. Seu brilho era tão intenso que pareciam dourados. Meu corpo todo estava gelado, eu paralisada. Foi quando, num piscar de olhos, ele venceu a distância entre nós e aproximou sua boca vermelho vivo da minha. Fechei os olhos à espera do beijo, como num transe e, quando os abri, estávamos no ar, sobrevoando montanhas, desertos, oceanos.
Ele contou-me da sua dor, da sua sede pela vida que não podia ter. Falou-me de outros tempos, de civilizações inteiras aniquiladas pela ignorância humana, de vidas ceifadas em pontas de lanças e fogueiras. Segredou-me sua natureza e seu anseio pela humanidade.
Eu não podia entender como sentimentos tão humanos habitavam um coração sem calor. Sei que deveria ter sentido medo, mas paradoxalmente só me sentia segura em seus braços.
Senti em seu hálito frio o calor de um amor puro, profundo, arrebatador, eterno. Senti-me viva ao desejar a morte doce.
Meu nome, agora, de irrelevante passou a nenhum. Só o chamado de Eduardo me importa. E ele não precisa chamar meu nome. Porque somos um, eternamente.
sábado, 31 de outubro de 2009
Maldito el día

de los giros del mundo
es tan doloroso como una ventana podrida
que alguien quiso masticar.
obscenidades sin arte ni gracia…
Maldito el día que el unicornio soltó el aguijón
y deseó contratar un fémur
para partírselo en los dientes al hijo ingrato
del padre sol y la madre luna.
con ojos de lloros
y síndrome de incendio permanente,
costoso, húmedo y permanente.
Alexander Vórtice
Pensamento do dia (hoje com um *)

(Marcel Proust in O Prazer da Leitura)
* Isto me lembra a pilha de livros que comprei nos últimos meses e que estão à minha espera... Já li o primeiro capítulo de todos...
Ausência

Desculpem pela minha ausência... na verdade, não estive só ausente do Devezenquandário, estive ausente de mim.
Forças maiores impediram-me de pensar, de viver. Resumindo, deixei que o trabalho tomasse conta de todos os milissegundos do meu dia.
Foi importante esta dedicação exclusiva ao trabalho. Era o início de um grande projeto que, enfim, está dando frutos.
Já posso voltar à vida.
Sem mais ausências.
Ainda bem que podemos sempre voltar, não acham???
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Amicíssima, I'm back
Sim, estou viva, estou aqui.
Não perdi a memória nem meu grande carinho por ti. Perdi foi a noção do tempo. Não me dei conta de que “amanhã” pode ser uma eternidade. E, pior, deixei as coisas da vida comum tomarem conta de mim.
Mea culpa, amicíssima...
Mas redimo-me agora. Conto-te tudo.
Aquele embriãozinho está virando gente grande. Já fala, anda, corre e tem vontades. Que coisa, imaginar que há tão pouco tempo era microscópico! Os segundos que me têm sobrado são para ele, sempre. E é a melhor parte do meu dia.
O anel no dedo continua e penso que ainda vai ficar até amanhã (lembra? acima?). Descobri que afinal as coisas podem durar muitos amanhãs. E que são boas, as coisas que duram bastante.
Por outro lado, também descobri que nem sempre os nossos desejos são o que realmente queremos. Alguém já disse que temos de tomar cuidado com o que desejamos. Pois é... eu, que queria tanto ocupar-me, agora quero fazer nada e não consigo.
Mas estou aqui. Troquei o msn, tenho um skype novo e um e-mail diferente. Mas estou aqui, viu?
Cheia de saudades. Milhões de fofocas para contar. Mas isso é em PVT!!!
Ósculos!!!
A.
sábado, 6 de junho de 2009
Plano Cósmico - El Morya Khan

Não pode haver mero acaso num Universo onde tudo é Ordem e Ritmo, até nas fases aparentemente caóticas da Manifestação.
A velha civilização esgotou suas energias nas disputas pessoais, revoluções, guerras, doenças, fome.
sexta-feira, 1 de maio de 2009
Picadas nos Açores
Sei que andamos fora do ar nestes últimos tempos, tenho tido muito trabalho e pouco tempo para o blogue, e peço desculpas por isso.
Mesmo assim, gostaria de pedir a ajuda de todos vocês para impedir um absurdo que está prestes a acontecer nos Açores.
As touradas são proibidas em Portugal, mas os Açores adquiriram agora um estatuto político independente de Portugal continental, o que lhes dá autonomia na criação de leis. Assim, os deputados do parlamento açoriano estão tentando aprovar uma lei que legalizará uma modalidade extremamente cruel de tourada, a chamada "picada", em que o toureiro fica em cima do cavalo (este protegido por uma espécie de armadura) e pica covardemente o touro com uma lança, que fica sem possibilidade nenhuma de defesa.
Eu sou contra qualquer tourada, qualquer tipo de violência contra os animais, mas esta tourada é especialmente cruel.
Assistam ao vídeo (se tiverem estômago, pois eu tive de fechar os olhos enquanto passava a notícia na televisão):
A humanidade tem de evoluir, não regredir! A violência contra os animais tem a ver com um instinto primitivo, retrógrado, atrasado (para ser bem redundante mesmo!).
Dêem ideias, organizem protestos, vamos fazer alguma coisa!
Conto com vocês!
Beijos, Aline
segunda-feira, 16 de março de 2009
Clube do Bolinha - Menina não entra

Brincadeiras à parte, não sou feminista nem machista. Penso que homem e mulher têm suas diferenças. Físicas, intelectuais, comportamentais, afetivas… A mulher, apesar de toda sua emancipação, sempre aparecerá (ou parecerá) ao homem uma figura frágil (apesar de, em muitos aspectos, ser tão ou mais forte do que o homem) e o homem sempre será a figura paterna, protetora. E isto é algo instintivo, talvez tenha até a ver com a nossa necessidade de procriação, de manutenção da espécie. O frágil inspira ternura, cuidados, carinho, todos fatores necessários para a boa condução de uma gravidez.
A despeito de todas estas diferenças, sou a favor da igualdade sexual na sociedade. Esta sociedade abrange, realmente, tudo o que é social: trabalho, diversão, política, participação em clubes, etc.
Muitos dirão: “ah, eu também sou a favor da igualdade sexual”! Sim… claro! Esta ideia de igualdade é hipocritamente aceita. Posso dizer, por experiência e constatação próprias, que os homens não são assim tão a favor da igualdade. E, infelizmente, muitas mulheres também não. Ainda há preconceitos arraigados no nosso senso comum que não conseguimos ultrapassar. Para exemplificar: quantos de vocês, leitores (a nossa própria língua é machista pois, quando queremos designar um conjunto de seres masculinos e femininos com um só plural, fazemo-lo, obrigatoriamente, no masculino) achariam realmente normalíssimo um casal em que o homem cuidasse da casa e a mulher o sustentasse? Dirão que já há muitos casais assim. Ok. Quantos de vocês vivem uma relação assim? Voltando à primeira pergunta (quantos achariam normalíssimo…) … não respondam ainda! Esperem pelo final do texto, façam um exame de consciência. E, claro, não respondam em voz alta, fiquem com a resposta somente para vocês.
Voltando ao assunto da sociedade. Sabiam que as primeiras sociedades foram matriarcais? Acredita-se que essas sociedades teriam existido na Ásia e na Europa, pelo menos desde o ano 35.000 a.C. Eram sociedades que desconheciam a guerra e a violência sistemática, que não possuíam classes nem estrutura rígida de poder, que não oprimiam mulheres nem homens e que celebravam a vida a ponto de adorar a natureza como expressão de um ser divino.
Um lindo paradigma, não é? Até parece aquilo que sonhamos para o nosso futuro! Mas isso tudo acabou a partir de 4.000 a.C., quando invasores introduziram o machismo, a cultura da guerra e a sociedade patriarcal.
E este é o mundo em que vivemos hoje, machista, belicoso, materialista. O que teria acontecido se as sociedades matriarcais tivessem resistido? Nem o maior historiador do mundo poderia responder a esta pergunta, mas arrisco-me a pensar que, talvez, tivéssemos um mundo mais justo.
A prova da existência destas antigas sociedades é que, ainda hoje, no século XXI, existem algumas. Eu tenho notícia de duas. Uma no nordeste da Índia, num lugar chamado Meghalaya, e outra na China, no povoado de Mosuo, às margens do Lago Lugu.
No primeiro caso, o indiano, a sociedade não é propriamente matriarcal, mas matrilinear. Quer dizer que a sucessão é de mãe para filha e não de pai para filho, como acontece na nossa cultura, e as mulheres não dominam os homens. O homem é defensor da mulher, mas a mulher é a guardiã da sua riqueza. Nesta sociedade acontece um fato fantástico em relação ao idioma. Na sua língua nativa (falada juntamente com o inglês), os nomes das coisas inanimadas são do gênero masculino até se tornarem úteis. Assim, madeira é masculino, mas tábua é feminino (as feministas de plantão adorariam este fato!).
Já na China, os mosuos têm uma sociedade realmente matriarcal. Lá, quem manda é a mulher. Os homens estão limitados aos trabalhos domésticos e à criação dos filhos. Mais radicalmente: não há a figura do marido nem do pai. Os filhos pertencem obrigatoriamente à mãe, que se responsabiliza também pela educação deles. É ao irmão da mãe que cabe a responsabilidade de educar os filhos (homens) desta, que lhes transmite princípios de moral e ética.
Em todas as famílias, a mulher é que tem o mando tanto da administração da casa como da produção e distribuição da riqueza. Os homens que moram com os pais também são submetidos à chefia da mãe ou da avó.
Resumindo: os mosuos têm uma sociedade oposta à sociedade patriarcal, radicalizada. Ou deveria dizer “as mosuos”?
Também há o mito (?) das amazonas sul-americanas (receberam o nome das outras míticas amazonas gregas), guerreiras que conseguiram expulsar os invasores espanhóis das suas terras, na América do Sul.
Poderia escrever páginas e páginas sobre as sociedades matriarcais. Há, na história da humanidade, incontáveis exemplos. Mas não é este o meu objetivo hoje.
Hoje quero levantar um manifesto a favor da verdadeira igualdade entre os sexos. Uma igualdade que respeite a diferença – que, sim, há, incontestavelmente –, que não impeça mulheres nem homens de ocuparem lugares na sociedade, que seja justa.
Convoco, então, todos os leitores e leitoras para uma campanha a favor da verdadeira igualdade. Sem hipocrisia, sem falsos moralismos, sem falsidade.
Muitos setores da sociedade já estão dando-se conta de que a participação feminina é essencial para o funcionamento de suas instituições. Antigos clubes fechados, como, por exemplo, o Rotary Clube, já estão abrindo suas portas à cooperação das mulheres. Mostram, assim, estarem situados no novo mundo em que vivemos, um mundo que não permite mais preconceitos.
Homem e mulher complementam-se em todos os sentidos. Nenhum é maior nem mais competente do que o outro. A objetividade do homem é completada pela sensibilidade da mulher. Sempre foi assim, sempre será, por mais que muitos gritem contra.
Quem não concordar, leia um livro de História da Humanidade. Pesquise. Vamos, finalmente, fundar uma sociedade que não seja nem matriarcal nem patriarcal, mas uma sociedade do futuro, da igualdade.
Alinham???
P.S. Agora, podem responder àquela pergunta que fiz uns parágrafos atrás. Quem, realmente, não tem nenhum preconceito?
Homens contranatura

Bem-vindos ao ano de 5769. Na semana passada o calendário judaico marcou a entrada neste novo ano que celebra mais um aniversário sobre a criação do Homem, ao Sexto Dia.
Judeus e cristãos modernos conceberão a ideia de Adão e sua costela feminina como uma bonita e alegórica história da inspiração divina do homem. Porém, muitos outros ainda acreditam que há quase seis milénios Deus, quase pronto para um bom descanso, terá tido a brilhante ideia de criar uma criatura mais ou menos à sua imagem.
As religiões sempre cumpriram uma importante função, nomeadamente a de fornecer explicações simplificadas do mundo. Porém, ao fazê-lo, regra geral excluíram outras alternativas. O conceito da criação divina do mundo deixou como legado a ideia de que existe uma certa ordem natural das coisas. Que a realidade é como é porque Deus quer. Usando essa mesma lógica, há quem alegue que certas coisas são contranatura.
A homossexualidade tem sido uma dessas coisas. Um dos argumentos sempre utilizados para remetê-la para o domínio do anormal, do patológico ou do moralmente repreensível, é essa ideia de que os homens foram naturalmente feitos para se relacionarem com mulheres e vice-versa. Que dois homens ou duas mulheres juntos num relacionamento são uma aberração aos olhos de uma qualquer divindade.
O problema com essa argumentação é que o Homem é das coisas menos naturais à face da terra. Para serem mesmo naturais, os homens nunca deviam fazer a barba e as mulheres deveriam deixar os pêlos das suas pernas crescer descontroladamente. Deveríamos andar a pé e não de carro e de preferência descalços, pois isso seria a coisa mais natural a fazer.
Na natureza, por seu lado, encontramos pinguins gay na Nova Zelândia, macacos sexualmente polimorfos no Congo e golfinhos bissexuais por esses oceanos fora.
Alguns desses animais contranaturais estabelecem relações monogâmicas por toda uma vida, muito ao contrário da maioria dos humanos. Em que pé é que isso deixa o casamento como natural ou antinatura?
Até muito recentemente na história da humanidade, o casamento como a união da vontade de duas pessoas não existia. Existiu sim durante muito tempo como a união de quatro vontades, as dos pais dos noivos, não tendo os próprios qualquer voto na matéria. Por isso, não deixa de ser irónico agora que, quando dois homens ou duas mulheres se querem casar, a sociedade não os deixe, muitas vezes por considerar os seus desejos contrários à tal ordem natural das coisas. Porém, desde a trincadela da maçã primordial que o Homem não deixou de contrariar essa ordem. Argumentar que casamentos homossexuais não são aceitáveis é tão bacoco quanto defender que não devíamos usar telemóveis. Afinal, vivemos numa sociedade laica, certo?
in Revista Pública, 12/10/08, p. 61
Voltando das férias

Com o tempo - que anda escassíssimo nos últimos dias - vou contando tudo, mostrando tudo. Fotos de Coimbra (maravilhosa), de Valença... mas isso é para depois.
Para já, vou dividir com vocês um texto que achei fantástico. Encontrei-o numa revista do ano passado, em uma sala de esperas qualquer.
Vale a pena ler. Vejam na próximao postagem, ok?
Quanto à prometida entrevista do Mia Couto, não esqueci! Preciso de um tempinho para elaborá-la, mas logo, logo estará estampada aqui no Devezenquandário.
Então, continuem acompanhando o nosso blogue e beijos para todos!
Aline
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
FÉRIAS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

As postagens serão complicadas, mas vou tentar dividir com vocês as descobertas que fizer por lá.
Enquanto isso, continuem visitando este espaço, nem que seja somente para eu me sentir lembrada.
E agora, só para atiçar a curiosidade de todos: na volta, vão ficar sabendo de uma conversa maravilhosa que tive à beira do Oceano Índico com o MIA COUTO!
Em março, a partir do dia 09, estou de volta!
Até lá!
Aline
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Eu, Moçambique e o escritor

Mas dizia que não conhecia nem o país nem a sua literatura. Uma vizinha, que acabou por se tornar uma grande amiga, emprestou-me um livro para ajudar-me a passar o tempo nos primeiros dias de adaptação. O livro chamava-se Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra, do Mia Couto. Na época, nem vi quem era o autor, interessava-me mesmo a história, que me surpreendia a cada página. Foi assim que comecei a conhecer Moçambique, através das páginas de um livro. Gostei tanto do livro que me interessei pelo autor. Fui pesquisá-lo na Internet e aí descobri que eu tinha uma defasagem literária muito triste… o autor era conhecido mundialmente, com muitos livros publicados, contos, crônicas, poesias e outros romances. Pronto, viciei nele. Li tudo o que encontrava. Cada vez gostava mais da sua escrita, com sua linguagem alada permeada de neologismos e adaptações linguísticas fantásticas.
Ontem, finalmente, consegui apertar sua mão. Aliás, dei-lhe dois beijinhos… e todas as minhas suspeitas confirmaram-se: ele é, realmente, uma pessoa sem igual. Eu fiz de tiete, pedi autógrafo, foto, só faltou mesmo fazer como aquelas fãs enlouquecidas e desmaiar…
E, no nervosismo de fã, acabei esquecendo tudo o que gostaria de perguntar e dizer ao Mia (sim, chamo pelo nome, porque, depois de tantas páginas, já adquiri uma certa intimidade!)… mas, afinal, tudo resumiria-se somente a uma frase:
Obrigada por me apresentar Moçambique!
Obrigada, também (ops, mais de uma frase…) pela paciência, pela simpatia e pela receptividade!
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
Balada da Neve - Augusto Gil

Batem leve, levemente
Como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
E a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho…
Quem bate, assim, levemente,
Com tão estranha leveza,
Que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria…
- Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho,
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho…
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança,
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de criança…
E descalcinhos, doridos…
A neve deixa inda vê-los,
Primeiro, bem definidos,
Depois, em sulcos compridos,
Porque não podia erguê-los!...
Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
- e cai no meu coração.
Hoje recebi um PPS com este poema. Dizia lá que é um dos poemas mais conhecidos da Língua Portuguesa. Eu, morrendo de vergonha, então, confesso: não conhecia.
Mas gostei imenso! Adorei!
Principalmente pelo jogo que o poeta faz com os nossos sentimentos.
Inicia o poema como uma festa, a neve chegando, enfeitando a paisagem - e nós vamos ficando empolgados, lá dentro pensamos: "que lindo!", e uma sensação de alegria vai-nos preenchendo.
De repente, balde de água fria... a imagem da criança descalça na neve, pezinhos doloridos que se vão arrastando. Toda aquela empolgação transforma-se em tristeza.
Será que era a intenção do poeta nos jogar esta água fria? Ou simplesmente o início do poema foi só para descrever o clima de neve?
De qualquer maneira, o poema é muito bom, apesar de nos deixar gelados...
Pedro Vicente...
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
Extra! Finalmente começam a chegar boas notícias...
O Exército israelita finalizou na manhã de ontem a sua retirada de Gaza e abandonou todas as suas posições na Faixa, confirmou um porta-voz militar.
“O último soldado israelita saiu de Gaza esta manhã cedo”, disse o porta-voz, que destacou que as forças “foram redistribuídas e estão fora da Faixa” preparadas para qualquer eventualidade.
As tropas israelitas entraram em Gaza a 3 de janeiro, após uma semana de bombardeamentos aéreos e marítimos sobre a Faixa, com o objectivo de reduzir a capacidade das milícias do Hamas de disparar foguetes contra o sul de Israel.
No domingo passado, Israel iniciou um cessar-fogo unilateral, que em princípio foi rejeitado pelo Hamas e as demais facções palestinianas em Gaza.
Mais tarde, essas milícias anunciaram também o seu próprio cessar-fogo e deram uma semana de prazo às tropas israelitas para que deixassem o seu território.
A operação israelita provocou a morte de mais de 1.400 palestinianos (410 de crianças e adolescentes de até 16 anos) e feriu cerca de 5.500, no que foi a ofensiva mais sangrenta na região desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967.
As três semanas de conflito na Faixa de Gaza deixaram 80 mil pessoas desabrigadas e a reconstrução da região atracada levará anos para ser concluída, segundo dados divulgados ontem, em Genebra, pelas Nações Unidas e o Comité Internacional da Cruz Vermelha. A ONU anunciou que começou a enviar à região psicólogos para ajudar crianças e famílias a superar os traumas do conflito.
“Gaza hoje é uma área que parece ter sofrido um enorme terramoto. Milhares de pessoas não têm para onde ir”, afirmou Guido Sabatinelli, responsável de Saúde da ONU nos territórios ocupados palestinianos. “A crise humana não vai terminar com o cessar-fogo. Precisamos ter corredores humanitários abertos e de liberdade para que bens possam entrar em Gaza”, afirmou.
Excelente notícia, não acham???
Pois eu penso que é somente o início das boas notícias. A simples retirada do exército israelita não basta.
Quero ler nos jornais, em letras garrafais, manchetes coloridas que me dizem: PAZ NO ORIENTE MÉDIO ou, melhor ainda... PAZ PERMANENTE NO MUNDO!!!
Enfim, nossa voz serviu de alguma coisa. Os milhares de e-mails enviados, textos escritos, petições assinadas devem ter ajudado nesta decisão.
Que este assunto não seja esquecido! Ainda há muito por fazer, muito por lutar, muito o que escrever.
No mesmo jornal da notícia acima, nas páginas centrais, há uma matéria sobre a destruição que assolou Gaza. E uma manchetezinha muito tímida dizendo "É inegável que Israel usou bombas de fósforo".
Os responsáveis pelos absurdos que aconteceram em Gaza têm de ser punidos, para que estas barbaridades nunca mais aconteçam!
Dica quentíssima!

(poema de Al-Chaer)
Gostaram do poema aí em cima? Não é fantástico?
Descobri-o quando retribuí uma visita que recebi aqui no blogue. Este poema-processo e muitos outros maravilhosos podem ser encontrados no blogue do Moacy Cirne: Poema Processo 1967.
Dêem uma passadinha por lá e vejam que beleza!
Abraços!
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Aos amigos... Stand by me
Composição: Ben E. King
When the night has come
And the land is dark
And the moon is the only light we'll see
No, I won't be afraid
No, I won't be afraid
Just as long as you stand
Stand by me
(Chorus:)
And darling, darling,stand by me,
oh now stand by me,
stand by me
stand by me
If the sky that we look upon
should tumble and fall
And the mountains should crumble to the sea
I won't cry, I won't cry,
No, I won't shed a tear
Just as long as you stand
Stand by me
And darling, darling, stand by me,
oh stand by me
Stand by me,
stand by me,
stand by me, yeah
Whenever you're in trouble
won't you stand by me, oh no
Stand by me
Oh stand by me,
stand by me,
stand by me
Tradução:
Quando a noite tiver chegado
E a terra estiver escura,
E a lua for a única luz que vemos,
Não, eu não terei medo
Não, eu não terei medo
Desde que você fique
Fique ao meu lado
Refrão:
Então querida, querida,
Fique comigo
Oh, fique ao meu lado,
Oh, fique
Fique ao meu lado,
Fique ao meu lado...
Se o céu que vemos lá em cima
Desabar e cair
Ou as montanhas desmoronarem no mar
Eu não chorarei, eu não chorarei
Não, eu não derramarei uma lágrima,
Desde que você fique
Fique ao meu lado
Quando você estiver com problemas,
você não contará comigo?
Oh, conte comigo
Oh, você não ficará agora?
Conte comigo
Amigos bons amigos
Nunca parei para contar meus amigos, com certeza não tenho um milhão, mas talvez lá perto vá. Amigos que estão aqui ao lado, amigos distantes, amigos de Internet, amigos de quem há muito não tenho notícias, amigos que falei ainda hoje… tantos amigos!
Lembrei deste trechinho da música do Roberto Carlos porque uma amiga iluminou meu dia logo cedinho com um telefonema. Sabe, daqueles que a gente não espera… surpresa total! E como é bom falar com pessoas que estão tão perto do nosso coração!
Juntei a lembrança da música ao conselho de um outro amigo. Disse-me que escrevesse sobre os “bons”, depois de ler um texto meu sobre os “maus”. Vou tentar, amigo!
Mas afinal, quem são os “bons”? Einstein já disse: tudo é relativo, depende do ponto de vista. Será?
Um outro amigo disse-me que para ser “bom” não precisamos nos desdobrar em caridades, abrir mão da nossa vida em favor de outros. Simplesmente precisamos não praticar o mal. Parece o caminho mais fácil, mas é, com certeza, muito mais difícil. É complicado ser bom, ser justo e, principalmente, ser imparcial. Inconscientemente praticamos o mal todos os dias. Num pensamento, numa ação ou simplesmente num olhar, numa impressão. Ajudar os outros é fácil… dar um prato de comida a um pedinte é fácil, levantar um caído do chão é fácil. Mas fazer isso sem julgar, aí é que quero ver!
Mas lá estou eu, caindo novamente na tentação de julgar a raça humana, quando o propósito do texto é falar dos bons.
Bons, então, são meus amigos, todos, o quase milhão de pessoas que me cercam. Bons são os amigos que me acompanham nesta tentativa de sermos bons. Bons são os amigos que telefonam às vezes, assim, de surpresa, os amigos que escrevem somente no Natal, os que passo anos sem ver ou ter notícias e, um dia, num reencontro, abrem um sorriso num abraço que diz tudo. Bons são os amigos que já se foram e os que hão de vir.
Porque pessoas boas são as que tentam com toda sua força não praticar o mal. E todas essas são minhas amigas.
terça-feira, 20 de janeiro de 2009
O Jogo da Terra Alheia

O povo que não tem pátria, patriota,
combate o povo que ontem nem pátria tinha.
E o fato é que o mais fraco
vai de novo pagar o pato
sem que se saiba ao certo
se o ovo nasceu primeiro
ou se, ao contrário,a galinha.
É isto fábula de rato e gato?
história de cordeiro e lobo?
De fato o povo que outrora
não tinha pátria própria
combateu em pátria alheia
para ter sua própria pátria.
E agora na pátria própria
combatem em alheia pátria
os que, sem pátria, combatem
prá ter, enfim, pátria própria.
Não se sabe por que não podem
compartir a própria pátria
esses que compartem a pátria alheia.
São aranhas enredadas
no ódio da própria teia?
Por que não compartem a terra e o céu
como as flores e pássaros
compartem a aldeia?
Há fim? há princípio
nesta história redonda e torta?
Por que não compartem a sorte
e a vida, esses compatriotas
do horror e morte? Além do mais,
se há tanto tempo compartem a guerra
por que não podem compartir a paz?
(Affonso Romano de Sant'Anna)
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
Um olhar israelense sobre um poeta palestino
Uma das frases mais sábias que jamais ouvi em minha vida ouvi-a de um general egípcio, poucos dias depois da visita histórica de Anuar Sadat – a visita da vitória –, a Jerusalém.
Fomos os primeiros israelenses a chegar ao Cairo, e, dentre outras curiosidades, queríamos muito saber: como os egípcios haviam conseguido nos surpreender, no início da guerra de outubro de 1973?
O general respondeu: “Em vez de ler relatórios dos serviços de inteligência, vocês deveriam ler nossos poetas.”
Pensei nestas palavras na quarta-feira passada, no funeral de Máhmoud Darwísh.
Durante a cerimônia em Ramállah, vários se referiram a ele como “o Poeta Nacional da Palestina”.
Aquele morto foi muito mais do que isto. Foi a encarnação do destino dos palestinos. Seu destino pessoal coincidiu com o destino de seu povo da Palestina.
Darwísh nasceu em al-Birwa, vila na estrada Acra-Safad. Há 900 anos, um viajante persa contou que visitou esta vila e ajoelhou-se nos túmulos de “Esaú e Simeão, que descansem em paz.” Em 1931, dez anos antes de Mahmoud nascer, viviam na mesma vila 996 habitantes, dos quais 92 cristãos; os demais, muçulmanos sunitas.
Dia 11 de junho de 1948, a cidade foi ocupada pelo exército de Israel. Suas 224 casas foram derrubadas logo depois da guerra, exatamente como em outras 650 vilas da Palestina. Só alguns cactos e poucas ruínas ainda testemunham que aquelas vilas um dia existiram. A família Darwísh fugira pouco antes da chegada das tropas; e o pequeno Mahmoud, de sete anos, partiu com os parentes.
Não se sabe como, a família conseguiu voltar – para onde então já era território israelense. Receberam documentos de "ausentados presentes [1]" – espantosíssima invenção israelense. Significava que eles seriam residentes legais em Israel, mas que suas terras lhes haviam sido roubadas, nos termos de uma lei que dizia que qualquer árabe perderia a propriedade de suas terras se não estivesse fisicamente presente na vila quando fosse ocupada. Nas terras da família Darwísh foi construído o kibbutz Yasur (do movimento de esquerda israelense) e implantou-se a vila-cooperativa Ahihud.
O pai de Mahmoud instalou-se na vila árabe mais próxima, Jadeidi, de onde podia ver de longe as suas terras. Aí Mahmoud cresceu e sua família ainda vive, até hoje.
Durante os 15 primeiros anos do Estado de Israel, os cidadãos árabes viveram sob um “regime militar” – sistema de repressão severa que controlava todos os aspectos da vida, inclusive todos os movimentos. Nenhum árabe podia viajar para fora de sua vila sem permissão especial. O jovem Mahmoud várias vezes violou esta proibição; e sempre que foi apanhado foi encarcerado. Quando começou a escrever poesia, foi acusado de incitar a sublevação e posto sob “detenção administrativa”, sem julgamento.
Na prisão, então, escreveu um de seus poemas mais conhecidos, “Carteira de Identidade”, poema em que se manifesta a ira de um jovem que cresceu em condições de humilhação. O primeiro verso troveja para o mundo: “Lembrem: sou árabe!”
Neste período encontrei Darwísh pela primeira vez. Procurou-me e trouxe outro jovem árabe, nascido em outra vila árabe, e com forte compromisso político nacional, o poeta Rachid Hussein. Lembro do que Hussein disse-me, naquele dia: “Os alemães mataram seis milhões de judeus, e apenas seis anos depois os judeus fizeram a paz com a Alemanha. Conosco, os judeus não querem a paz.”
Darwísh alistou-se no Partido Comunista, o único partido, político, então, em que um nacionalista árabe poderia atuar politicamente. Editou jornais. O partido mandou-o estudar em Moscou, mas o expulsou quando ele decidiu não voltar a Israel. Em vez de voltar, alistou-se na OLP e foi para os quartéis de Yásser Arafat em Beirute.
Lá o reencontrei outra vez, num dos eventos mais emocionantes de minha vida, quando cruzei a fronteira em julho de 1982, no auge do sítio de Beirute, e tive uma reunião com Árafat. O líder palestino insistiu em que Máhmud Darwísh assistisse àquele encontro simbólico: era a primeira vez que Árafat encontrava-se com um israelense. Mandou chamar Darwish.
A descrição do sítio de Beirute é um dos trabalhos mais impressionantes de Darwísh. Naqueles dias, converteu-se em poeta nacional da Palestina. Acompanhou a luta dos palestinos; nas sessões do Conselho Nacional Palestino – instituição que uniu todo o povo da Palestina, eletrizava multidões com seus versos, que ele mesmo declamava.
Naqueles anos, Darwísh viveu muito próximo de Arafat. Arafat foi o líder político do movimento nacional na Palestina; Darwích foi seu líder espiritual. Darwísh escreveu a Declaração de Independência da Palestina, adotada na sessão de 1988 do Conselho Nacional por iniciativa de Arafat. É muito semelhante à Declaração de Independência de Israel, que Darwísh aprendera na escola primária.
Ele claramente entendeu a significação de seu discurso: ao adotar este documento, o parlamento palestino no exílio aceitava, na prática, a idéia de estabelecer-se um Estado palestino lado a lado com o Estado israelense, apenas numa parte da Palestina, como Arafat propusera.
A aliança entre os dois rompeu-se quando foram assinados os acordos de Oslo. Para Árafat, tratava-se de “o melhor acordo possível, na pior situação possível”. Darwísh entendeu que Arafat concedera demais. O coração nacional impôs-se à mentalidade nacional. (Este debate histórico ainda não está concluído hoje, embora os dois já estejam mortos.)
Desde aquela época, Daruích viveu em Paris, Aman e Ramállah – o palestino errante, que substituiu o judeu errante.
Nunca quis ser o poeta nacional. Não queria fazer poesia política; queria ser lírico, poeta do amor. Mas para qualquer lado para o qual se virasse, o longo braço do destino dos palestinos o alcançava e o arrastava de volta.
Não tenho capacidade para avaliar seus poemas ou a grandeza artística de Deruíche. Reconhecidos especialistas em língua árabe ainda discutem furiosamente entre eles o significado de seus versos, nuances, camadas, imagens e metáforas. Foi mestre em árabe clássico, e também vivia à vontade entre poetas ocidentais e israelenses. Para muitos, Deruíche foi o maior poeta da língua árabe e dos maiores de nosso tempo.
Pela poesia, conseguiu o que não conseguira fazer por outros meios: unificar todas as fraturas e fragmentos que dividem ainda o povo palestino – na Cisjordânia, na Faixa de Gaza, em Israel, nos campos de refugiados e em toda a Diáspora. Pertenceu a todos os palestinos. Os refugiados identificavam-se com Daruích porque era um deles; os cidadãos palestinos-israelenses também, porque também era um deles; e os que vivem nos territórios palestinos ocupados, porque foi um guerreiro incansável contra a ocupação.
Esta semana, alguns cabeças da Autoridade Palestina tentaram explorá-lo, na luta contra o Hamas. Duvido muito que Daruích concordasse com isto. Embora fosse palestino absolutamente secular e muito distante do mundo religioso do Hamás, ele manifestava os sentimentos de todos os palestinos. Também falava à alma dos membros do Hamás em Gaza.
DARWISH foi o poeta da ira, da saudade, da esperança e da paz. Estas foram as cordas de seu violino.
Ira, pela injustiça cometida contra o povo palestino e contra cada filho da Palestina, individualmente. Saudade, do “café de minha mãe”, das oliveiras de sua aldeia, da terra dos antepassados. Esperança de que a guerra chegue ao fim. Apoio à paz entre israelenses e palestinos, baseada em justiça e respeito mútuo. No documentário da francesa-israelense Simone Bitton, Darwísh apontou o burrico como símbolo do povo palestino; o burrico é inteligente, paciente e sempre encontra meios para sobreviver.
Entendia a natureza do conflito mais claramente que a maioria dos israelenses e dos palestinos. Dizia que aquele conflito era “uma luta entre duas memórias”. A memória histórica da Palestina colide contra a memória histórica dos judeus. Só haverá paz quando um lado entender a memória do outro lado – seus mitos, suas saudades secretas, as esperanças, os medos.
Este o significado do que disse o general egípcios: a poesia manifesta os sentimentos mais profundos dos povos. E só onde se compreendam estes sentimentos pode haver verdadeira paz. A paz costurada pelos políticos não vale grande coisa, se não houver alguma paz entre os poetas e a emoção dos muitos que a poesia manifesta. Por isto Oslo foi um fracasso. Por isto também o “acordo de prateleira” que está sendo negociado será também completamente inútil: nada tem a ver com as emoções e os sentimentos de palestinos e israelenses, os povos.
Há oito anos, o então ministro da Educação de Israel, Yossi Sarid tentou incluir dois poemas de Deruíche no currículo das escolas em Israel. Houve escândalo, e o primeiro-ministro, Ehud Barak, decidiu que “o público israelense não está preparado para isto”. É o mesmo que Barak ter decidido que o público israelense não está preparado para a paz.
Talvez ainda seja verdade. A verdadeira paz entre dois povos, paz entre as crianças que nasceram na semana corrente, no dia do funeral de Deruíche, em Telaviv e em Ramállah, só será viável quando os alunos árabes puderem ler os versos imortais de Chaim Nachman Bialik “O vale da morte”, sobre o pogrom de Kishinev, e quando os alunos israelenses puderem ler os versos de Daruích sobre a Naqba [a Catástrofe]. E, sim, também os poemas da ira, inclusive o verso “Vão! E levem daqui a morte de vocês!"
Sem entender e encarar com coragem a ira flamejante contra a Catástrofe e suas conseqüências, jamais entenderemos as raízes da guerra e não saberemos construir a paz. Como escreveu outro grande intelectual da Palestina, Edward Said: sem entender o impacto do Holocausto na alma dos judeus, os palestinos nunca entenderão os israelenses.
Poetas são os generais na luta entre duas memórias, entre os mitos, entre os traumas. Precisamos muito de poetas na estrada que levará à paz entre israelenses e palestinos, entre dois Estados, para construirmos um futuro comum.
Não estive presente às cerimônias funerais organizadas pela Autoridade Palestina na Mukata, tão organizadas, tão encenadas. Cheguei duas horas depois, quando o corpo de Daruích foi enterrado numa bela colina, pairando sobre o cenário.
Impressionou-me o povo, reunido sob sol escaldante à volta do túmulo, ouvindo uma gravação da voz de Deruíche declamando seus versos. Gente simples, gente menos simples, unidos com o homem morto, numa comunhão privada. Apesar de serem milhares, abriram alas para nos deixar passar; nós, israelenses, que ali estávamos para reverenciar Máhmoud Daruísh.
Nos despedimos silenciosamente de um grande filho da Palestina, um grande poeta, um grande ser humano.
“Os alemães mataram seis milhões de judeus, e apenas seis anos depois os judeus fizeram a paz com a Alemanha. Conosco, os judeus não querem a paz.” (Rachid Hussein, poeta palestino)