Fernão Gaivota passou o resto dos seus dias sozinho, mas voou muito além dos Penhascos Longínquos. A solidão não o entristecia. Entristecia-o que as outras gaivotas se tivessem recusado a acreditar na glória do vôo que as esperava. Recusaram-se a abrir os olhos e ver.
Aprendia cada vez mais. Aprendeu que um eficiente mergulho a grande velocidade lhe dava o peixe raro e saboroso que vivia três metros abaixo da superfície do mar. Já não precisava de barcos de pesca nem de pão duro para viver. Aprendeu a dormir no ar, estabelecendo um percurso noturno pelo vento do largo, cobrindo cento e cinqüenta quilômetros desde o ocaso até a aurora.
Utilizando o mesmo controle interior, voou através de nevoeiros cerrados e subiu acima deles para céus estonteantes de claridade... enquanto qualquer outra gaivota ficava em terra, conhecendo apenas neblina e chuva.
Aprendeu a dominar os altos ventos do continente e a jantar ali os delicados insetos.
O que outrora desejara para o bando tinha-o agora só para si. Aprendera a voar e não lamentava o preço que pagara por isso. Fernão Gaivota descobriu que o tédio, o medo e a ira são as razões por que a vida de uma gaivota é tão curta, e, sem isso a perturbar-lhe o pensamento, viveu de fato uma vida longa e feliz.
* * *
Vieram à noite, e encontraram Fernão deslizando tranqüilamente e sozinho pelo seu querido céu. As duas gaivotas que surgiram junto às suas asas eram puras como a luz das estrelas e o brilho que delas se desprendia era leve e afável no éter noturno. Mas o mais encantador era a perícia com que voavam, as pontas das asas movendo-se a um centímetro exato e constante das suas.
Sem uma palavra, Fernão submeteu-as ao teste, ao teste a que nenhuma gaivota fora ainda submetida. Torceu as asas, diminuiu a velocidade para um quilômetro e meio por hora e deslizou lentamente, quase parando no ar. Os dois pássaros, irradiantes, deslizaram com ele, suavemente, mantendo-se em posição. Sabiam voar devagar.
Dobrou as asas, e caiu num mergulho de duzentos e oitenta quilômetros por hora. Mergulharam com ele, riscando a noite em formação impecável.
Por fim, transformou diretamente essa velocidade numa longa rotação ascendente, lenta e vertical. Giraram com ele, sorrindo. Regressou ao vôo planado e esperou algum tempo, antes de falar.
— Muito bem. Quem são vocês?
— Nós somos do seu bando, Fernão. Somos suas irmãs. — As palavras eram fortes e calmas. — Viemos para levar você para mais alto, para levá-lo para casa.
— Eu não tenho casa. Nem tenho bando. Fui banido. E estamos agora sobrevoando o pico da Grande Montanha do Vento. Já não posso elevar este velho corpo além dumas centenas de metros.
— Você pode, sim, Fernão. Porque aprendeu. Acabou-se uma escola e chegou a hora de começar outra.
O entendimento raiou nesse momento para Fernão Gaivota, tal como o iluminara sempre em toda a sua vida. Tinham razão. Ele PODIA voar mais alto e ERA tempo de ir para casa.
Lançou um último longo olhar pelo céu, por aquela magnífica terra prateada onde aprendera tanto.
— Estou pronto — disse por fim.
E Fernão Capelo Gaivota elevou-se com as duas gaivotas brilhantes como estrelas para desaparecer num céu perfeitamente escuro.
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