quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O Noivado do Sepulcro

Pertencente à segunda geração romântica portuguesa, o poeta Soares de Passos consagrou-se com este poema, O Noivado do Sepulcro.

Para os críticos e teóricos literários, esta geração da poesia romântica portuguesa não fez senão uma poesia de entoação melodramática, de linguagem artificialmente rebuscada e medievalizante, com soluções formais convencionais, ou seja, uma poesia estereotipada e destituída de capacidade de inovação estética. Resumindo: uma poesia que tinha por função a decoração da vida social, para ser recitada em serões e musicada.

Mas deixemos de lenga-lengas e vamos ao poema:





Vai alta a lua! na mansão da morte


Já meia-noite com vagar soou;


Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte


Só tem descanso quem ali baixou.





Que paz tranqüila!... mas eis longe, ao longe


Funérea campa com fragor rangeu;


Branco fantasma semelhante a um monge,


Dentre os sepulcros a cabeça ergueu.





Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste


Campeia a lua com sinistra luz;


O vento geme no feral cipreste,


O mocho pia na mormórea cruz.





Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto


Olhou em roda... não achou ninguém...


Por entre as campas, arrastando o manto,


Com lentos passos caminhou além.





Chegando perto duma cruz alçada,


Que entre os ciprestes alvejava ao fim,


Parou, sentou-se com a voz magoada


Os ecos tristes acordou assim:





"Mulher formosa, que adorei na vida,


E que na tumba não cessei de amar,


Por que atraiçoas, desleal, mentida,


O amor eterno que te ouvi jurar?





Amor! engano que na campa finda,


Que a morte despe da ilusão falaz:


Quem dentre os vivos se lembrará ainda


Do pobre morto que na terra jaz?





Abandonado neste chão repousa


Há já três dias, e não vens aqui...


Ai, quão pesada me tem sido a lousa


Sobre este peito que bateu por ti!





Ai quão pesada me tem sido!"e em meio


A fronte exausta lhe pendeu na mão,


E entre soluços arrancou do seio


Fundo suspiro de cruel paixão.





"Talvez que rindo dos prostestos nossos,


Gozes com outro d'infernal prazer;


E o olvido cobrirá meus ossos


Na fria terra sem vingança ter!"





- "Ó nunca, nunca!" de saudade infinita,


Responde um eco suspirando além...


- "Ó nunca, nunca!" repetiu ainda


Formosa virgem que em seus braços tem.





Cobrem-lhe as formas divinais, airosas.


Longas roupagens de nevada cor;


Singela c'roa de virgíneas rosas


Lhe cerca a fronte dum mortal palor.





"Não, não perdeste meu amor jurado:


Vês este peito? reina a morte aqui...


É já sem forças, ai de mim, gelado,


Mas ainda pulsa com amor por ti.





Feliz que pude acompanhar-te ao fundo


Da sepultura, sucumbindo à dor:


Deixei a vida... que importava o mundo,


O mundo em trevas sem a luz do amor?





Saudosa ao longe vês no céu a lua?"


- "Ó vejo sim... recordação fatal"


- Foi à luz dela que jurei ser tua


Durante a vida, e na mansão final.





Ó vem! se nunca te cingi ao peito,


Hoje o sepulcro nos reúne enfim...


Quero o repouso do teu frio leito,


Quero-te unido para sempre a mim!"





E ao som dos pios co cantor funéreo,


E à luz da lua de sinistro alvor,


Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério


Foi celebrado, d'infeliz amor.





Quando risonho despontava o dia,


Já desse drama nada havia então,


Mais que uma tumba funeral vazia,


Quebrada a lousa por ignota mão.





Porém mais tarde, quando foi volvido


Das sepulturas o gelado pó,


Dois esqueletos, um ao outro unido,


Foram achados num sepulcro só.





Gostaram? Pode ser fútil, mas é lindo!

Relendo este poema, lembrei-me de uma notícia que li no início de 2007.
Arqueólogos encontraram na Itália uma tumba com dois esqueletos humanos abraçados. Supunham, na época (agora já não sei, não acompanhei a reportagem), que fossem de um homem e de uma mulher. Estavam sepultados há 5000-6000 anos e calculava-se que haviam morrido muito jovens, pois seus dentes ainda estavam intactos e pouco gastos.





Vejam a foto:






Agora me pergunto: será coincidência? Alguns dirão: claro! Mas, e quem pode dizer de onde vem a inspiração de um poeta??? Pergunto também: será mesmo fútil retratar um amor eterno???

Deixo com vocês!

Um comentário:

  1. QueridAline,
    Geralmente não vou na onda da crítica literária. Embora que, mais das vezes,os teóricos literários acertam nas suas observações. No meu análise, acredito que, "O Noivado do Sepulcro", do poeta Soares de Passos, houve uma inovação. Até porque, parece até um suposto suicídio do casal (dado os dois esqueletos estarem abraçados).
    Gostei muito.
    Bom domingo para todaos,
    José Calvino
    Recife

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