terça-feira, 16 de setembro de 2008

Caridade?!

Notícia da última página do Jornal de Moçambique de hoje: Esmola acaba em tragédia na Indonésia. Explico, para não transcrever: uma família abastada estava distribuindo esmolas para a população, quando se deu um tumulto, resultando em pelo menos 23 pessoas mortas, esmagadas. Tudo por uma quantia equivalente a 100 meticais, ou 10 reais, ou 4 dólares, ou 3 euros.

História triste, que me fez lembrar uma situação que vivi ontem. Fui ao mercado, como sempre faço. E, como sempre, um dos meninos que fica por lá veio ajudar-me a empacotar as compras e colocá-las no carro.

Ajudar é maneira de falar, porque esta «ajuda» tem como contrapartida um dinheirinho, uma esmola. Confesso que, para mim, é muito confortável ter alguém que me «ajude» com as compras, apesar de, no fundo, saber que estou agindo erradamente. Quando estava guardando as compras no carro, outro menino veio correndo para «ajudar» também. Dei-lhe também um dinheirinho, coisa pouca, para mim.

Ao final, já dentro do táxi, comentei com o taxista que estes meninos deveriam estar na escola. A resposta do homem foi, senão óbvia, um verdadeiro tapa na cara! Eles estavam ali porque há pessoas como eu que lhes dão dinheiro. Fogem da escola para arrecadar alguns trocados.
Mea culpa! Sou culpada sim. Como são culpados todos os que dão esmolas. Já diz aquele velho ditado: ensinar a pescar, não dar o peixe.

Fácil falar, difícil fazer. Quem tem tempo para perder com caridade? Muito mais fácil abrir a carteira! Vamos reconhecer: dar dinheiro não é caridade, é desencargo de consciência!

Mas tem gente que faz. São estas pessoas iluminadas e desprendidas, que ajudam simplesmente por ajudar. Fazem realmente diferença. Conheço um grupo de mulheres que veio do Brasil para Moçambique simplesmente para ajudar. Largaram família, amigos, empregos, estudos, tudo por um ideal. Viajam o país, enfrentando estradas esburacadas, machibombos (ônibus, autocarros) mais velhos do que a História, fazem caminhos a pé, enfrentam condições deploráveis de saneamento e higiene, comem mal, dormem mal. E não reclamam. Pelo contrário, agradecem pelo aprendizado.

Chamado de Deus, dizem elas, modestas. Eu digo exemplo difícil de ser seguido, abnegação, dedicação. Não buscam reconhecimento, aplausos ou prêmios. Não pedem ajuda nem esperam que ninguém as siga. Já disse: ajudam simplesmente por ajudar.

Ah, se eu conseguisse fazer pelo menos um centésimo do que a Raquel, a Lívia, a Cris, a Thaís e tantas outras fazem… se cada pessoa fosse um pouquinho de cada uma delas, o mundo seria melhor, perfeito, fraterno!

E eu fico aqui, com inveja da coragem delas… limito-me a escrever, contar e admirar.

P.S. Se alguém quiser conhecer o trabalho delas e ajudar (de qualquer maneira), aí estão os e-mails de cada uma:

Raquel: raqueliecp@yahoo.com.br
Lívia: liviahoza@hotmail.com
Cris: cris.kikka@hotmail.com
Thaís: semlimitess@yahoo.com.br

Elas costumam fazer uma «carta informativa» mensalmente, contando todas as suas realizações aqui em Moçambique. Escrevam-lhes!

3 comentários:

  1. Aline:
    O despreendimento é salutar, quando não é fatal.
    São muitas as forças que movem o mundo e nem sempre temos plena consciência delas.
    Gosto destas histórias!

    ResponderExcluir
  2. Tens razão, Aline.
    Falar é fácil, difícil é fazer.
    Estas mulheres são mesmo iluminadas, quem dera poder ajudá-las.
    Beijos,

    Conceição

    ResponderExcluir
  3. Tanta cobrança é inútil. Essas coisas são muito relativas. Observe: do teu ponto de vista você fez mal em dar a esmola, mas se não tivesse dado se senteria ainda pior. A perspectiva do taxista é mais centrada num conceito de centro-direita que não consegue explicar a si mesmo o porquê de não se ajudar uma criança que tá ali oferecendo trabalho (eles acham que estão criando parasitas). Já pela ótica do gurí, penso ele pode ter pensado o seguinte: se eu carregar mais sacolas pras moças, posso ganhar ainda mais dinheiro. E quem sabe aí tu estimulou um grande empreendedor ou um frio banqueiro no futuro.
    Da próxima vez eu sugiro só um ajuste na perpectiva pela qual você for analizar os fatos... mas eu teria dado a moeda também!

    ResponderExcluir