Vítor Manuel de Aguiar e Silva, no seu livro Teoria e Metodologia Literárias (Universidade Aberta, Lisboa, s/d), falando sobre o nascimento do 'nouveau roman' destaca a crise da noção de pessoa como como subjacente à crise da personagem romanesca. Neste 'novo romance', a personagem já não é descrita como nos romances dos séculos XVIII e XIX, com nome, atributos físicos e caracteres psicológicos bem definidos.
Chamou-me a atenção o último parágrafo do sub-capítulo 9.3.4 (O retrato da personagem), na p. 263, que diz o seguinte:
«Esta crise da noção de pessoa, imediatamente explicável pela influência exercida em largos sectores intelectuais e artísticos pela psicanálise e pela psicologia das profundidades, tem uma matriz mais profunda e deve situar-se num contexto mais amplo: trata-se de uma consequência e de um reflexo da crise ideológica, ética e política que vem minando a sociedade ocidental contemporânea - crise que alcançou o paroxismo com a sociedade neocapitalista dos nossos dias, dominada por uma tecnologia cada vez mais tirânica, regida pelo ideal do consumo crescente de mercadorias e serviços e comandada por um capital cada vez mais anónimo, mais identificado com gigantescos empreendimentos técnico-económicos de carácter multinacional e, por isso mesmo, cada vez mais brutalmente desumano. Nesta sociedade tecnoburocratizada, carecente de motivações éticas profundas, onde o homem sofre e não age, onde a reificação vai implacavelmente alastrando, o romance não poderia retratar personagens segundo os moldes e os valores da sociedade burguesa e liberal dos séculos XVIII e XIX.» (negrito meu)
O autor aqui não insinua, mas diz diretamente que vivemos numa sociedade sem identidade, sem motivações pessoais ou individualizações...
Quando ele diz «... o homem sofre e não age...» é como um tapa na nossa cara, porque vemos as barbáries, sangramos por dentro e o único ato que praticamos é mudar de canal ou fechar o jornal - ou quem sabe, no máximo, mandar um e-mail para toda a nossa lista de contatos protestando, com palavras de ordem.
Lembrou-me o Huxley e seu Admirável Mundo Novo - só falta mesmo admitirmos que somos humanóides, robôs programados pela mídia e pelas convenções de um capitalismo impessoal (será redundância chamar o capitalismo de impessoal?)!
Ah, o idílio, onde estão os pastores do Parnaso nesta algura???
Nenhum comentário:
Postar um comentário