quarta-feira, 30 de maio de 2007

Depressão

A depressão está na moda. É o mal do século, mas que já vem desde o século passado. Os balcões das farmácias estão abarrotados de anti-depressivos e as prateleiras das livrarias repletas de livros de auto-ajuda, para combater a baixa auto-estima, que causa a tal depressão.

Meu avô uma vez me disse que no tempo dele não havia essa coisa de depressão. As pessoas não tinham tempo para deprimir-se, tinham é muito trabalho. É certo que o trabalho a que ele se referia era o trabalho braçal, na lavoura, na lida com o gado, que não representa nenhum grande sacrifício mental. Pelo contrário, quando eu ia para a fazenda, minha maior terapia era acordar com o sol e soltar o gado no pasto.

Já tive amigas deprimidas, que não tinham coragem nem de sair da cama, ficavam lá, enfurnadas, com medo da vida. Eu não conseguia sentir pena, sentia somente uma revolta profunda pelo completo desinteresse delas com tudo o que acontecia em volta.

Eu mesma já pensei em entrar em depressão (acho esta expressão horrível – entrar em depressão!). Estava soterrada de trabalho, a faculdade exigindo mais e mais, sem tempo para nada. Um dia acordei e resolvi: vou me deprimir. Fiquei na cama. Esperei que o tempo passasse e as obrigações passassem junto. Pensei que uns dois meses de depressão seriam suficientes. Era Inverno e estava quentinho na cama, uma sensação maravilhosa.

Na escola, teriam pena de mim - coitada, mais uma professora deprimida. Na faculdade, os professores se apiedariam e talvez me deixassem fazer as provas mais tarde. Levaria um atestado médico, com a cópia da receita azul de remédio faixa preta. Ninguém me culparia, todos entenderiam minha ausência forçada da vida.


Olhei para o relógio, somente dez minutos de depressão e as cobertas começavam a pesar. Vontade de ir ao banheiro – será que a depressão inibe as necessidades fisiologias? Segurei o mais que pude. Não deu. No banheiro, olhando no espelho, tentei fazer cara de deprimida. Baixei os olhos, busquei uma expressão de nada. Mas que nada! Aquela cena pareceu-me tão impossível que caí na gargalhada, rindo sozinha no banheiro. Parecia uma louca. Ops! Mas era depressão e não loucura a minha meta. Respirei fundo e voltei para a cama.

Já era meia hora de depressão. Lembrei da gata que, enrolada nos meus pés olhava-me impacientemente. Tinha fome. Minha depressão não poderia impedir-me de alimentá-la, seria maldade demais. Levantei, fui à cozinha, servi ração. A cafeteira me olhava convidativa e não resisti. O café me acordou e o sentimento de culpa me invadiu.

Na escola, as crianças deveriam estar esperando por mim, todas trancadas dentro da sala-de-aula, correndo, gritando, naquele caos que sempre acontece quando um professor falta. Lembrei que naquele ano haviam muitos feriados e que o tempo para cumprir o currículo era apertado. Como iria recuperar tudo depois da depressão?

A faculdade! Meu Deus, a faculdade! Perderia o semestre, atrasaria minha formatura…
É… o caso é que depois da depressão, há que se recuperar o tempo perdido e isso dá muito trabalho.

Desisti da depressão. Vesti a primeira roupa que vi e saí correndo. Consegui chegar à escola no segundo período. Dei a desculpa do despertador estragado e segui a vida.

Sem depressão.

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