sexta-feira, 4 de maio de 2007

Por ínsulas estranhas


... que va por ínsulas extrañas
São João da Cruz

O conhecedor que despreza reger sua viagem

pelos astros já fósseis e as águas ocultas

e a quem é indiferente ir em sonho ou desperto

numa senda submersa em trinados e frondes

nunca decifrará porque um nítido vulto

se instaura na cidade e derruba os metais

que sem lei nem fadiga a ofendem e ofuscam:

por ele resplandecem as muralhas e as torres

e o mar arpoado se entrega e vem beber

sua porção de sangue e de vozes beijadas,

o distante aproxima-se percutindo nas casas

as vestes encharcadas no rumor da sua dança

e descobre impoluto o lugar do seu túmulo;

as palavras conjuram-se para ulcerar-lhe a boca,

as garras da cicuta intimam-no veladas

quando se reconhece no rosto que demanda:

com um rumo tão secreto que ele próprio o ignora

e suspeita que em vão lhe será revelado,

chega com sua mensagem talhada a fogo na íris


esse que vai por ínsulas estranhas.

José Bento (1932)

2 comentários:

  1. Muito lindo, Aline.
    Desconhecia o poeta José Bento. É português?
    Beijo,

    Conceição

    ResponderExcluir
  2. "Um rumo tão secreto que ele próprio ignora...chega com sua mensagem talhada a fogo na íris"
    PERFEITO!
    Descobre mais coisas dele, menina d'além-mar.

    ResponderExcluir